Cultura - Educação

O Livro Mudou Minha Vida por Luiz Cláudio Jubilato

22 de Dezembro de 2014
Luiz Cláudio Jubilato
Prof. de Língua Portuguesa

Nasci pobre. Ponto. De dinheiro. Ponto. Tinha mania de sonhar de olhos abertos. Dois pontos. Comecei a escrever. Reticências. Meus pais foram alfabetizados, e mal. Minha mãe vendia Avon para botar comida em casa. Nunca teve tempo para livros. Nem os entenderia nunca. Sustentou os filhos com uma pertinácia impressionante e acabou fazendo o que melhor podia pela sua educação. Meu pai era um sujeito com alguma visão de negócio e muita lábia, mas nunca usou nada disso de forma proveitosa. Jamais entendeu de livros. Só de gente.

Consegui estudar no Colégio de Aplicação João XXIII, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Isso mudou minha forma de ver o mundo. Enquanto o professor falava, minha imaginação voava. Sem muito incentivo para estudar, viajava lendo tudo que me caía nas mãos. Os professores viam em mim algum potencial, eu só via o que não existia, existindo. Minhas notas nunca foram maravilhosas, mas meus textos progrediam visivelmente. Num belo dia, um velho amigo me fez cair nas mãos A idade da razão, de Jean-Paul Sartre, e, na oitava série, meus sonhos mudaram de patamar.

Em menos de um ano, li as principais referências da época: Herman Hesse e o seu o Lobo da Estepe, Gibran Kalil Gibran e o seu O profeta. Foram passos gigantescos para quem não tinha dinheiro sequer para comprar uma blusa de frio e posava de fortão, para a inveja de alguns e escárnio de outros. Nesse tempo, mergulhei no Rock ’n Roll e nos textos de Carlos Castaneda. No entanto, os existencialistas me provocavam comichões. Embreei-me na Náusea, de Sartre e em O Estrangeiro, de Camus. Entrei em parafuso com Simone de Beauvoir, até, mais tarde, cair de joelhos diante de A metamorfose e O processo, de Kafka. Nesse tempo, me apaixonei pelo teatro e decidi virar ator, diretor, escritor.

Quanto mais escrevia, mais gostava do que os outros escreviam. No primeiro colegial, a professora Glaidys me fez ler As Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Odiei-a. A cada página que lia, arrancava-a de raiva. Ler Machado? Por que não John Steinbeck? Por burrice ou preconceito, releguei a literatura brasileira a décimo plano. Ainda não tinha me deparado com Guimarães Rosa ou Adonias Filho ou Ariano Suassuna. No entanto, com uma Missa Negra, fiz o teatro do colégio Sebastião Patrus de Souza virar de cabeça para baixo.

Alimentei-me de Virgínia Wolf, Bernard Shaw, Oscar Wilde, Ionescu. Enlouqueci com O Retrato de Dorian Gray. Minha mãe já se imaginava sem o filho médico ou militar. Coitada! Ao engolir Gabriel Garcia Marques e os seus Cem anos de solidão, jamais consumira tanta poesia de uma só vez. As bibliotecas e um amigo dividiram comigo essas obsessões. Na hora de inscrever-me para o curso de jornalismo da UFJF, mudei para o de letras e minha vida deu um pinote. Fui obrigado a pesquisar a vida e obra de Machado de Assis. Pela primeira vez, depois de muitos anos, redimi a professora Glayds. Como eu era burro?! O Bruxo do Cosme Velho me absorveu. Nunca dei uma gargalhada com os seus textos, porém aquele risinho de canto de boca se torna inevitável a cada linha. Esqueci essa história de ser escritor.

Virei professor. Por culpa de alguns amigos, meus textos foram parar nos jornais da cidade. No Colégio dos Jesuítas, criei o grupo Manifesto e fiz teatro com todas as minhas forças. Depois disso, para ganhar a vida, enterrei o escritor. Só ficou o leitor. Fui morar em Araçatuba onde, na época, não havia livrarias. Dois anos depois, mudei para Ribeirão Preto onde há feiras de livros. Para matar o desejo de ser escritor, criei um blog. Se me perguntam porque sou blogueiro, digo apenas que “desejo apenas ser lido”. E por quê? Porque acredito que tenha algo a dizer.  

Minhas experiências não servem para ninguém. Cada pessoa precisa ter as suas. E por que as estou contando aqui? Apenas para deixar um testemunho. O testemunho, para os que não gostam de ler, de que foi a leitura que mudou a minha vida. Se hoje me transformei num professor respeitado, o que me levou a ser um empresário respeitado, foi por causa dos tantos livros que li. Eles me abriram as portas da percepção. Se hoje a minha escola é uma das maiores referências em língua portuguesa, isso está intimamente ligado à minha capacidade de criar. Outro dia, uma pessoa de quem gosto muito me surpreendeu ao dizer que minhas respostas são sempre surpreendentes. Que bom que assim seja! Ser óbvio deve ser uma chatice imensa. Os livros me deram a minha profissão. Eu lhes devoto a minha vida.

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