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MP 927/2020 perde validade, mas Decreto Legislativo pode regulamentar situações pré-estabelecidas

27 de Julho de 2020

A MP 927/202 não foi convertida em Lei pelo Congresso Nacional e, portanto, perdeu validade no dia 19 de julho (domingo), fazendo com que todas as disposições desta medida passassem a não ter efeito jurídico a partir de 20 de julho (segunda). Não há uma medida atual que altere essa situação, mas a possibilidade de ser editado um Decreto Legislativo pelo Congresso Nacional que regulamente as situações estabelecidas com base nas regras transitórias que a MP 927 havia proposto. 

Na opinião de Erika Mello, advogada especialista em Direito Trabalhista de PG Advogados, todos os atos firmados durante a vigência da MP 927 requerem adaptação, como “um banco de horas constituído com “negativas” computadas até 19 de julho, que poderá ter a compensação posteriormente como previsto na MP 927, mesmo com a perda da validade da medida”. 
A advogada ressalta que o banco não pode receber novas horas “negativas” ou “positivas” nesse mesmo sistema, retornando as horas trabalhadas/compensadas ao sistema anteriormente adotado pela empresa (banco de horas por acordo individual ou coletivo), a partir de 20 de julho. 

Seguem as principais recomendações da advogada: 

I – Teletrabalho/Trabalho remoto: Formalizar/revisar as políticas internas e os termos aditivos ao contrato de trabalho, considerando a partir de agora só as regras da CLT, bem como as particularidades de cada função e o exercício das atividades integralmente ou preponderantemente fora das dependências da empresa. É preciso também reforçar o cuidado com o tempo do empregado em uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho, pois a exceção da MP 927 de não considerar esse período como tempo à disposição, que já era bastante polêmica, agora não está mais em vigor. Quanto ao retorno às atividades presenciais, quando o empregador assim definir, deve ser regido pela CLT, ou seja, o empregado deve ter um prazo de transição mínimo de 15 dias (art. 75-C, § 2º da CLT) e deve ser formalizado um novo aditivo ao contrato de trabalho.  Por fim, com atenção especificamente ao “home office” (trabalho preponderantemente na empresa com alguns períodos fora), a empresa deve formalizar/revisitar a política interna com tal sistema. Contudo, se os trabalhadores permanecerão realizando os serviços preponderantemente fora da empresa, seria Teletrabalho, que requer Aditivo contratual específico e pode até considerar o modelo de Teletrabalho como temporário, apenas diante da pandemia do COVID-19;

II - Férias individuais: Não é mais possível conceder férias individuais avisando o empregado com antecedência 48 horas (voltamos para a antecedência mínima de 30 dias prevista na CLT), nem conceder férias individuais de forma antecipada (antes do período aquisitivo completo). Pessoas que tiveram férias concedidas com início do descanso durante a vigência da MP 927 podem cumprir o período de férias normalmente e o pagamento pode ocorrer na forma prevista na MP, ainda que o prazo de fruição das férias ultrapasse o dia 19 de julho. Para férias concedidas durante a vigência da MP 927, mas com início da fruição programado para depois de 20 de julho, até podem ser mantidas nos termos da MP, mas existe risco de caracterizar fraude pela fruição após a perda de validade da medida, por isso, recomendamos a revisão de períodos de férias concedidos nessas condições e, se possível, a regularização nos termos da CLT;

III - Férias coletivas: As férias coletivas também voltam a requerer que a empresa formalize o período com o Sindicato e o Ministério da Economia com 15 dias de antecedência e/ou seguindo os termos da norma coletiva da categoria. Pessoas que tiveram férias coletivas concedidas e com início de fruição durante a vigência da MP 927 podem cumprir o período de férias normalmente;

IV - Antecipação de feriados: A empresa não pode mais antecipar feriados sem norma coletiva que a regulamente. Feriados que foram antecipados pela empresa durante a vigência da MP 927 concedendo folga antecipada aos empregados poderão ser trabalhados normalmente nas datas futuras em que ocorrerem, sem pagamento de horas extras. 

V - Banco de horas: O Banco de horas firmado durante a vigência da MP 927/2020 poderá ter as horas que foram computadas até 19 de julho compensadas no prazo de até 18 meses após o final do estado de calamidade pública. A partir de 20 de julho, as horas trabalhadas devem obedecer a regra geral que já existia na empresa ou que será instituída (Banco de horas individual ou coletivo).

VI - Segurança e saúde do trabalhador: A MP 927/2020 suspendeu a exigência de realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares que somente votariam a ser obrigatórios e cobrados pelos órgãos de fiscalização 60 dias após o término da calamidade pública. Com a perda de validade da MP, em tese, a empresa já pode ser autuada por exames vencidos durante a vigência da medida e ainda não atualizados, no entanto, por uma questão de bom senso, existe o entendimento de que os 60 dias de prazo de regularização podem ser considerados a partir da perda de validade da MP 927/2020, período pelo qual não deveria ser imposta nenhuma penalidade pelos órgãos de fiscalização do trabalho. Esse entendimento não é unânime, por isso, é muito importante que as empresas organizem um plano de ação para regularização o quanto antes.  

O mesmo cenário se aplica aos treinamentos obrigatórios de segurança previstos nas Normas Regulamentadoras e que pela MP 927/2020 estavam suspensos com prazo de 90 dias após o término do estado de calamidade pública para regularização. Apesar do entendimento de que esses 90 dias podem ser considerados a partir de 20 de julho, a posição não é unânime e a empresa deve providenciar a regularidade o quanto antes.

Erika destaca, ainda, que as medidas saúde e segurança específicas da COVID-19 devem ser observadas, especialmente a Portaria Conjunta nº 20/2020, do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, além das normas locais e instrumentos coletivos da categoria.

Nesse momento de readaptação, a negociação coletiva com o sindicato da categoria pode ser uma valiosa ferramenta de equilíbrio, pois as normas coletivas podem flexibilizar condições relevantes e prevalecem sobre a lei, desde que respeitados os limites da Constituição Federal.

Mais do que nunca, o diálogo multidisciplinar envolvendo todos os interessados e o compliance nas relações trabalhistas serão essenciais para prevenir conflitos e passivos que comprometam a saúde financeira das empresas e a renda dos trabalhadores. 

*Erika Mello é advogada do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados, especialista em Direito Trabalhista. Com passagens por escritórios de advocacia e empresas de consultoria, vem atuando em projetos de compliance trabalhista, gestão jurídica estratégica para diversos setores da economia, além de treinamentos jurídicos para áreas de negócios das empresas.

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