“Criar não é frivolidade qualquer. O criador empenhou-se numa aventura apavorante que consiste em assumir pessoalmente até o fim os perigos arriscados pelas suas criaturas. Não se pode supor uma criação em cuja origem não haja amor. O criador toma sobre si o peso do pecado dos seus personagens.”
O controverso escritor, poeta e dramaturgo francês Jean Genet e suas personagens são retratados na peça Genet: o poeta ladrão, de Zen Salles, dirigida por Sérgio Ferrara.
Jean Genet nasceu em Paris em 1910. Abandonado por sua mãe, foi recolhido pela assistência pública. Muito jovem começou a roubar e foi preso diversas vezes. Concebeu boa parte da sua obra na prisão. Aos 18 anos, engajou-se na Legião Estrangeira, da qual desertou em 1936 para levar uma vida de vagabundo pelo mundo. Em 1942, escreveu seu primeiro texto: O Condenado à Morte. Após a leitura dos manuscritos de Nossa Senhora das Flores(1944) e O Milagre da Rosa (1946), Cocteau e Jean Paul Sartre tornaram-se seus admiradores, tendo este último escrito um importante ensaio chamado: “Sant Genet”.
Em 1964, com o suicídio de seu companheiro, Abdallah, decidiu abandonar a literatura. Consagrou a última parte de sua vida ao engajamento político, às causas dos Panteras Negras, dos imigrantes na França e à Palestina. Em 1985, após um afastamento de vinte anos da atividade literária, escreveu O Cativo Apaixonado, que teve apenas tempo de finalizar, sem ter podido rever suas provas. Genet morreu vítima de um câncer na garganta em 1986.
O pária que escrevia uma poesia corrosiva, de acidez clássica, de beleza terrível. O pederasta, o ladrão, o mendigo, o enjeitado, o encarcerado prestes à condenação perpétua. “Exibir a essência iniludível da liberdade é o pecado original de Genet. No jardim dos caminhos que se bifurcam, Genet escolhe a face escura da lua, os raios de um sol negro”, explica Sérgio Ferrara. “Jean Genet é um mistério. Jean Genet nos apavora. A literatura de Genet é uma permanente celebração do amor homossexual. Suas personagens têm em comum a predileção pelas práticas homoeróticas. Nesse mundo particular, as mulheres quase nãotêm lugar ou são senhoras de meia-idade, matronas ou cafetinas que se comprazem em realizar a fantasia edipiana psicanalítica ao acolher jovens amantes em seu leito”.
A peça inicia em 1969 com a vinda de Genet a São Paulo para a estreia da histórica montagem brasileira de “O Balcão”, dirigida por Victor Garcia, que fala de revolução e que é encenada em um período que o Brasil enfrenta forte censura e repressão militar. Ao tomar conhecimento das inúmeras prisões de artistas e intelectuais, Genet relembra os seus tempos na prisão e de todo o submundo que fez parte de sua vida marginal.
Na intimidade de sua cela, quando a noite cai, Genet, em uma espécie de delírio, evoca os seres da noite, nesse lugar entre o sagrado e o profano, e recria um mundo imaginário de desejos e prazeres. Nesta montagem, todas as personagens são inertes, abatidas pelo destino, fragmentos de um mundo decadente e Genet é um Deus bárbaro que se compraz no sacrifício humano.
Ao longo do espetáculo, o espectador segue Genet por meio de várias fases de sua metamorfose. Um vagabundo que perambula pela cidade e cujos pertences poderiam caber numa pequena mochila. Geralmente, vivia em hotéis perto de uma estação de trem, hábito constante do ladrão, estar posicionado para uma fuga rápida.
Como um poeta ladrão, que vagueia através da memória pelo submundo da prostituição e das drogas, Genet revela suas personagens sem esperança, porque a esperança só pode pertencer a personagens livres e ativas, enquanto o olhar dele só está preocupado em satisfazer sua própria crueldade.
“Trabalhei o universo imaginário de Jean Genet usando como metáfora a noite estrelada que cai sobre nós como um universo de pedrarias cheio de desejos e delírios repletos de gozo. O mistério de Genet resolve-se, portanto, de forma surpreendente, em uma radical consciência da liberdade. Genet estava condenado e morto, desde a palavra vertiginosa de seu pai adotivo. Não tomou as decisões lógicas e cabíveis, não escolheu o possível e razoável, que seriam o suicídio ou a pacificação da loucura. Genet escolheu viver e, do mais fundo de sua miséria e solidão, decidiu tornar-se poeta”, conclui Ferrara.
Para a construção da peça, o autor, Zen Salles, se baseou nas personagens de Genet e situações encontradas nos livros “Nossa Senhora das Flores”, “Diário de um ladrão”, “Pompas Fúnebres”, Um cativo apaixonado”, nas peças “Esplêndidos”, “As criadas” e “O balcão” e em “Genet: uma biografia”, de Edmund White, e “Sant Genet”, de Jean-Paul Sartre”. “Mas, eu não sou totalmente fiel à história de vida dele. Nem ele mesmo o foi, pois como costumava dizer, ‘a poesia é a ruptura entre o real e o irreal’ e, na peça ‘Esplêndidos’, ele também escreveu que ‘a traição é doce’. É justamente esse Genet que me interessa e é retratado na minha dramaturgia: um Genet que habita as sombras, umGenet que ama os que erram, um Genet que tem tesão pelo crime, um Genet que é poeta e, como tal, sabe esgotar o mundo com a sua poesia viva”, explica Zen Salles.
FICHA TÉCNICA
Baseado na obra de Jean Genet
Texto: Zen Salles
Direção: Sergio Ferrara
ELENCO
Ricardo Gelli - Genet
Fransérgio Araújo - Stilitano / Madame Irma
Nicolas Trevijano - Divina
Rogério Brito - Mimosa / Simone
Felipe Palhares - Mignon
Ralph Maizza - Pilorge / policial / preso
Gabrielle Lopez - Guy / Madame Claire / Beata / Mendiga
Jhe Oliveira - Sartre / carcereiro / Carolina
Magno Argolo - Padre / Policial / Preso / Carolina
Tiago Stechinni - Padre / Policial / Preso / Carolina
Bruno Bianchi - Anjo / Salvador / Carolina
EQUIPE TÉCNICA
Figurino: Iraci de Jesus
Cenário: Sergio Ferrara
Iluminação: Rodrigo Alves
Sonoplasta: Sergio Ferrara
Fotos: Vivian Fernandez
Direção de Produção: Elder Fraga
Realização: Fraga e Ferrara Produções
SERVIÇO
Estreia: Dia 14 de janeiro de 2015.
Duração: 80 minutos.
Temporada: de 14 de janeiro até 12 de fevereiro.
Quartas e quintas às 21h.
Recomendação etária: 18 anos
Local: Teatro Nair Bello (Shopping Frei Caneca)
Lotação: 200 lugares