Cultura - Teatro

Janaina Leite reestreia Coversas Com Meu Pai no Centro Cultural São Paulo

16 de Outubro de 2014

 

O ponto de partida de CONVERSAS COM MEU PAI – reestreia dia 24 de outubro, sexta-feira, às 21 horas, no Centro Cultural São Paulo– é uma caixa que guarda uma infinidade de bilhetes recolhidos pela atriz Janaina Leite e que trazem frases escritas por Alair, seu pai, que sofreu uma traqueostomia, perdeu a capacidade da fala e passou a se comunicar unicamente por escrito. A atriz, em parceria com o dramaturgo Alexandre Dal Farra (prêmio Shell 2013 de melhor autor e indicado ao APCA em 2014), flagra nesses papéis, rascunhados o mote para a dramaturgia de uma comunicação silenciosa entre pai e filha.

Alguns anos mais tarde, é a vez da filha descobrir que sofre de uma doença degenerativa e está ficando surda. Nesse novo contexto, em silêncio, pai e filha, "conversam". Em cerca de sete anos de trabalho, mais de 500 páginas de escritos e 60 horas de vídeos e áudios compõem a memória de uma espécie de performance de longa duração que teve seu término em outubro de 2011, quando Alair veio a falecer. 

CONVERSAS COM MEU PAI é um desdobramento da pesquisa de Janaina Leite sobre teatro documentário iniciada em 2008 com o experimento Festa de separação: um documentário cênico (direção de Luiz Fernando Marques). O espetáculo esteve em cartaz por três anos e é baseado na ruptura de um ex-casal na vida real. A experiência do espetáculo gerou um campo de pesquisa ao qual Janaina Leite vem se dedicando, tanto na vertente acadêmica através de sua pesquisa na pós-graduação, quanto nos domínios da pesquisa prática em suas criações e na orientação de diversos cursos e oficinas.

O texto de Alexandre Dal Farra

Depois de sete anos de processo uma infinidade de material foi produzido – entrevistas, diários e ficções – e diversos temas se sobressaíram como separação, silêncio, isolamento e morte, gerando tentativas formais que foram descartadas.

“Precisava ter um fluxo verbal para levar o espetáculo aos palcos e assim permitir me colocar como atriz. Pedi então ao Alexandre Dal Farra, que já estava acompanhando o processo, que organizasse a dramaturgia e encontrasse um texto final. A dramaturgia que ganhou força é, justamente, a que procura então cruzar as histórias – as versões – não só de memórias e visões sobre uma mesma pessoa, mas sobre o próprio processo. Foi o suporte para realmente eu entrar em cena”, conta Janaina.

A narrativa, assim como a montagem, foi organizada em três fases: a sala de jantar, o viveiro e o porão, correspondendo a três grandes movimentos do processo. Em a sala de jantar, o público é recebido pela atriz, que precisa contar um segredo, no saguão da Oficina Cultural Oswald de Andrade. Já em o viveiro, que acontece em uma sala no andar superior, a atriz faz uma autocrítica e desconstrói a narrativa da cena anterior e em o porão as memórias são resgatadas e o segredo anunciado na primeira parte pode ser desvendado.

O início

Janaina conta que as primeiras ideias para um projeto artístico baseado nas “conversas” que ela mantinha com seu pai que não podia falar e que ficavam, em parte, registradas nos papeizinhos que ele usava para se fazer entender surgiram em 2008. “Essas frases, tiradas de seu contexto, acumuladas aleatoriamente numa velha caixa de sapatos, me pareciam sugerir um possível ponto de partida para a criação de uma dramaturgia que, como a memória, colocasse o registro do vivido à mercê da complexa relação entre presente e passado, experiência e registro, viver e contar”, explica ela.

O pai de Janaina saiu de casa quando ela tinha quinze anos. Alguns anos depois ele foi diagnosticado com um câncer na laringe, e só então, eles se reaproximaram. Em março de 2005 ele teve de ser submetido a uma traqueostomia e nunca mais voltou a falar. Alair Pereira Leite faleceu em outubro de 2011. “A reaproximação entre meu pai e eu só se deu quando ele já não podia mais falar. Finalmente conversamos as conversas que nunca tínhamos tido antes. Passei a recolher, ainda sem saber para que fim, esses fragmentos, resíduos das tardes que passávamos juntos, sentados numa mesa de bar, pescando, ouvindo um disco na vitrola. Tinham as conversas e tinham os silêncios”, lembra a atriz.

Cenário-instalação

Numa grande tela de projeção, são projetadas sequências aleatórias do material em vídeo captado por anos pelo cineasta Bruno Jorge. Remetendo a um depósito, o cenário de CONVERSAS COM MEU PAI é composto de papéis – infinitos esboços –, objetos como plantas vivas, uma vitrola, uma piscina de plástico, um antigo quadro desproporcionalmente grande –, materiais que entulham o espaço remetendo ao excesso de um processo que se recusa a encontrar uma forma-síntese, um sentido único, e opta então por preservar seus elementos na forma bruta, acomodando os resíduos desta longa experiência.

CONVERSAS COM MEU PAI foi contemplado, em 2012, pelo Proac para pesquisa em artes cênicas e cumpriu residência na Oficina Cultural Oswald de Andrade realizando aberturas do trabalho em processo. Ganhou o Proac para criação literária em 2013 com a proposta de um livro-documentário. E, também em 2013, foi contemplado pelo edital de audiovisual da secretaria de cultura de São Paulo para o desenvolvimento do roteiro de longa-metragem. O espetáculo integrou a programação do Festival Internacional de Londrina em agosto de 2014 e realizou em outubro uma temporada no Rio de Janeiro, no Espaço SESC.

 

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