Cultura - Teatro

Performance 436 relembra vítimas da ditadura brasileira

15 de Outubro de 2014

 

A partir de 19 de outubro, quem for ao Memorial da Resistência de São Paulo poderá relembrar as vítimas da ditadura militar brasileira, montando, junto com o performer Alexandre D’Angeli, máscaras que simbolizam o rosto de cada uma das 436 pessoas que morreram ou desapareceram durante o regime. A obra performativa 436, segunda da trilogia Palavra, Imagem e Memória (a primeira foi Objetos de Valor) acontece em paralelo à exposição fotográfica 119, do chileno Cristian Kirby, que relembra a ditadura do Chile e acontece no mesmo espaço.

Alexandre estará sentado numa mesa com duas cadeiras e, junto com os visitantes da mostra, irá montar 436 máscaras de papel que trazem os nomes de pessoas que foram assassinadas pela ditadura ou estão desaparecidas. Como um brinquedo de encaixe, todas as peças estão organizadas em três folhas A4 brancas, que ao serem destacadas possibilitam criar uma volumétrica do rosto humano. Durante o encontro, o sujeito recebe do artista as instruções em silêncio, que indica os locais a serem destacados, dobrados e colados, até a finalização total da peça.

“A ideia é trazer à tona um pouco da história do nosso país que ainda continua um tanto quanto obscura. Na cultura brasileira, o esquecimento está muito presente. E nessa ação, a ideia é provocar o público a lembrar ou conhecer esses sujeitos que, mais do que rostos muitas vezes esquecidos, são pessoas que tinham família, uma história e faziam parte da vida de pessoas que até hoje, em sua grande maioria, continuam sem uma explicação”, afirma.

História mais próxima do público

Alexandre diz que esse trabalho vai no cerne do tema memória: “o relato do sobrevivente, bem como ações artísticas como é o caso de 436, ajudam a quebrar os pactos de silêncio estabelecidos e retificados socialmente. Tendo em vista que cerca de 60% da atual população brasileira não viveu os tempos de Ditadura Civil-militar, tem-se aí mais um motivo para que se fale sobre, que se produzam estudos sobre o período, bem como exista uma tomada de posição da parte de artistas, que em suas práticas podem contribuir positivamente para a construção de novas memórias, menos amedrontadas e mais fidedignas”.

Katia Felipini, Coordenadora do Memorial da Resistência, diz que atividades culturais como essa ajudam a personificar o tema da ditadura e tornar a história mais próxima das pessoas. “Uma vez, ouvi de um professor que visitou o memorial que os alunos aprendem mais da Revolução Francesa do que sobre a Ditadura Militar do Brasil. Essas ações fazem com que o tema chegue mais  perto dos nossos visitantes, além de tornar a compreensão mais fácil. Trazer para o público do espaço história dos nossos países vizinhos também ajuda a mostrar que a nossa ditadura estava inserida num momento histórico e que esses movimentos fizeram parte de uma articulação internacional”, relata. 

Máscaras formam instalação

Cada máscara recebe uma etiqueta azul (para as pessoas que continuam desaparecidas) ou vermelha (para os mortos) com o nome completo de uma das vítimas. Nas etiquetas, será possível achar figuras como Zuzu Angel, Tito de Alencar Lima (o Frei), Vladimir Herzog e Rubens Beirodt Paiva.

Após montadas, as máscaras, juntas, formarão uma instalação que fará parte da exposição, por período ainda a ser determinado. O trabalho de Alexandre D’Angeli chamou a atenção do chileno Cristian Kirby e surgiu a ideia de que, no final de sua exposição de fotos, Alexandre repita a performance, mas dessa vez com 119 máscaras, relembrando os chilenos que também foram vítimas da Operação Colombo, organizada pela ditadura do Chile. Essa segunda etapa da performance acontece de 12 a 15 de março de 2015, última semana da exposição 119.

Live Art

Esse é o primeiro trabalho de Alexandre D’Angeli com forte ligação às artes visuais, uma vez que o seu resultado final ficará exposto. O artista tem uma pesquisa muito focada na questão do gestual e do corpo. “Me interessa muito estudar o movimento ou a presença do corpo durante uma ação performativa. Em 436, apesar de eu não ser o foco da ação, minha presença lá acaba despertando o interesse do público também. Será fundamental o foco na capacidade de estar e na percepção desse “algo” que acontece no encontro com o outro”, explica.

Em 436, Alexandre faz uso dos conceitos da Live Art, que constitui essencialmente obras artísticas temporárias que cobrem diversas áreas e discursos, envolvendo, de alguma maneira, corpo, espaço e tempo. “Falar de Live Art é falar de inúmeras formas de tratar as questões da condição de estar vivo e sua expressão corpórea, algumas das quais ainda nem mesmo existem. Com isso, ao utilizar o termo Live Art não há uma tentativa de definir ou estabelecer uma prática, mas, sim, uma estratégia que abre uma nova paisagem, mapeia novas camadas artísticas, possibilita imaginar novas formas de trabalho, ao mesmo tempo em que cria estruturas culturais apropriadas. Além de fomentar a crítica e a curadoria em torno desse campo eclético e expansivo de práticas e artistas”, conta.

Sobre Alexandre D’Angeli

Alexandre D’Angeli é ator, bonequeiro, performer e figurinista. Em 2006 e 2007 estudou mímica corporal dramática e acrobacia teatral pelo Ateliê de Belleville, em Paris (França), sob orientação do mestre Ivan Bacciocchi. É fundador e diretor artístico do ânima Dois núcleo da Cooperativa Paulista de Teatro, nome dado a sua pesquisa solo e de onde resultou o espetáculo Molloy – O fim está no começo e no entanto continua-se, inspirado no romance de Samuel Beckett. Participou da VII Mostra Cariri das Artes – Palco Giratório do SESC Ceará e da mostra Samuel Beckett - 100 anos, no SESC Santana. Esteve na inauguração da nova unidade do SESC São José dos Campos como artista convidado para abertura da Sala Corpo e Arte, apresentando Esboço para my Adult World, do espetáculo Nenhuma Saudade de Nada. Em 2010 foi responsável pelas intervenções e performances realizadas no Terminal Rodoviário do Tietê durante a Virada Cultural. Com a intervenção Objetos de Valor participou da Paralela da Bienal de São Paulo no SESC Campinas e da programação de aniversário da cidade de Santo André, no Sesc Santo André. Participou também da 8ª Cena Breve Curitiba com Esboço para My Adult World. Em 2014 apresentou a performance Listening to the Sheep Sleeping, no projeto É Logo Ali, do Sesc Ipiranga. O trabalho com textos do cartunista Caco Galhardo volta a se apresentar em novembro na Casa das Rosas, em São Paulo.

Para roteiro:

436 – Performance com Alexandre D’Angeli. Abertura dia 19 de outubro, domingo, às 10 horas, no Memorial da Resistência de São Paulo. Temporada – De 21 a 25 de outubro, de terça-feira a sábado, das 10 às 13 horas e das 15 às 18 horas.GRÁTIS.

MEMORIAL DA RESISTÊNCIA – Largo General Osório, 66 – Luz (próximo a estação de metrô Luz). Telefone (11) 3335-4990. www.memorialdaresistenciasp.org.br

 

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