A segunda temporada do musical Os Azeredo Mais Os Benevides, dirigida por João das Neves e escrita por Oduvaldo Vianna Filho(Vianinha), está em cartaz no Cine-Teatro Denoy de Oliveira. O espetáculo tem sessões às sextas e sábados, 20 horas e domingo, às19 horas. Com vinte atores em cena, todos cantam temas compostos por Marcus Vinicius. A música chegança, composta por Edu Lobo, também está na peça. O músico iria compor todo o repertório do espetáculo há 50 anos, mas a peça foi terminantemente censurada pela ditadura militar, o que o impediu de finalizar o trabalho. “Ali ardia a utopia de transformar o Brasil num país menos injusto. Ardiam sonhos, esperanças, ardia também o nosso teatro que deveria ser inaugurado com Os Azeredo Mais os Benevides”, conta João das Neves sobre o episódio da incineração da sede da UNE pelos militares, onde a peça iria estrear. Os ingressos custam R$30.
O público é convidado a descer as rampas do Cine-Teatro Denoy de Oliveira. As portas abertas de uma garagem revelam um cenário típico das casas de famílias nobres brasileiras do início do século 20. Pratarias, porcelanas e roupas pomposas são alguns dos pertences dos Albuquerque, família de comerciantes cariocas que veem o negócio decrescer devido à chegada dos ingleses ao país. O filho dos Albuquerque, Esperidião, anuncia que partirá para a Bahia para se tornar senhor de terras, investindo na plantação de cacau. Ao sair da garagem, o público o acompanha, tomando seus assentos no Teatro ao som que os camponeses entoam enquanto trabalham na fazenda de Esperidião (Márcio Ribeiro).
Neste novo cenário, há a reprodução de uma fazenda. As extremidades do palco têm plataformas de madeira que representam outros locais onde a história acontece, como a casa de alguns dos personagens e uma taberna.
Logo após a mudança de ambiente, entra em cena Salustiano Alvimar (Leonardo Horta/Chico Américo), um camponês que se destaca pelo trabalho árduo e desejo de oferecer uma vida digna à sua esposa, Lindaura (Rebeca Braia). É a partir deste ponto que se estabelece o conflito da peça. Ao mesmo tempo em que uma amizade surge entre Alvimar e Esperidião, as suas condições sociais opostas põe em evidência a força política que oprime os mais fracos e beneficia os mais ricos.
O restante da peça explora as dificuldades dessa relação, que perdura por vinte anos e envolve também os descendentes de Alvimar. “Durante nosso processo de pesquisa identificamos no texto a proposta do autor de demonstrar como a vida é cíclica, e no passar desses vinte anos conseguimos mostrar como esse movimento interfere nas relações, no caráter e na personalidade dos personagens”, conta Leonardo Horta, um dos intérpretes de Alvimar (as interpretações desse personagem são alternadas entre Leonardo Horta e Chico Américo).
Rebeca Braia, intérprete de Lindaura, esposa de Alvimar, fala sobre o período de ensaio e de criação da peça: “O processo foi riquíssimo, fizemos as leituras dos romances Terras do Sem Fim e São Jorge dos Ilhéus, de Jorge Amado e participamos de várias sessões de improvisação e discussão sobre os livros. Só quando já estávamos totalmente envolvidos pelo tema é que partimos para a leitura do texto. Aí em pequenos grupos de atores dividimos a montagem em dez segmentos e improvisamos cada um deles. A parte corporal e musical também moldou nosso olhar para esse homem da terra. Quando partimos para a montagem das cenas a peça parecia já estar pronta. O João direcionou tudo de forma muito singela e delicada, com mãos de um verdadeiro lavrador”, ilustra Rebeca.
Os ensaios duravam cerca de nove horas. “No fim fomos contemplados com um belíssimo resultado que agradou a todos”, ressalta Leonardo. A peça pode ser conferida até o dia 31 de agosto.
João das Neves
O carioca João das Neves reúne em seu currículo prêmios Molière (vários), Bienal Internacional de São Paulo, APCA, Golfinho de Ouro, Quadrienal de Praga. Escreveu livros sobre teoria e história do teatro, entre os quais "Análise do Texto Teatral", "1950-1980: Trinta anos de Teatro Brasileiro" (inédito); obras de ficção infantil, como "História do Boizinho Estrela", e cerca de duas dezenas de peças teatrais.
Dirigiu o teatro de rua do CPC da UNE até a sua extinção em 1º de abril de 1964. Alguns meses depois participa da fundação do Grupo Opinião, em parceria com Vianinha, Paulo Pontes, Armando Costa, Denoy de Oliveira e Ferreira Gullar, que também integravam o CPC. O grupo estreia com o espetáculo "Opinião", reunindo no palco Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Seguem-se os sucessos de "Liberdade, Liberdade" (1965), "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come" (1966), "Jornada de um Imbecil até o Entendimento" (1968). "O Último Carro", peça escrita e dirigida por João das Neves em 1976, ficou mais de 2 anos em cartaz.
Em 1979, João faz na Alemanha o curso de Ciências Teatrais e trabalha no Westdeutscher Rundfunk (Setor de Peças Radiofônicas da WDR). Em 1986 transfere-se para o Acre e funda o Grupo Poronga, conhecido pela montagem de "Tributo a Chico Mendes", de sua autoria. Em 1988 volta ao Rio de Janeiro onde encena, no centenário da Abolição, "A Missa dos Quilombos", de Milton Nascimento, Pedro Tierra e D. Pedro Casaldáliga. O espetáculo ocupou o centro histórico da cidade, atraindo mais de 40 mil espectadores. Voltando ao Acre, encena "Caderno de Acontecimentos".
Em 1991 e 1992 dirige a convite da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte uma oficina de interpretação no Parque Ecológico Lagoa do Nado, da qual resulta o projeto "Primeiras Estórias" - adaptação de 11 contos de Guimarães Rosa. Em 1997, dirige o concerto cênico "A História do Soldado", de Stravinski. No ano seguinte, escreve e dirige o espetáculo "Uma Noite com Brecht".
No final de 2001, adapta e encena o clássico mexicano "Pedro Páramo" de Juan Rulfo. Em 2002, dirige "Território Interno", solo de dança com a bailarina Diane Ichimaru. Em 2006, realiza a montagem de "Besouro Cordão de Ouro", peça do poeta e compositor Paulo César Pinheiro. O espetáculo percorre diversas cidades e retorna ao Rio de Janeiro, em 2012, para nova temporada. Em 2013, dirige "Zumbi", remontando com 10 atores negros o clássico de Boal e Guarnieri, musicado por Edu Lobo, "Arena Conta Zumbi" (1965).
Oduvaldo Vianna Filho (1936-74)
Vianinha viveu apenas 38 anos, mas de intensa atividade. Foi um dos fundadores do Teatro de Arena (1955), com José Renato e Gianfrancesco Guarnieri. Junto com eles participou da revolução estética produzida pela montagem da peça "Eles Não Usam Black Tie" (1958), escrita por Guarnieri, com direção de José Renato e músicas de Adoniran Barbosa.
No Rio de Janeiro, criou o Centro Popular de Cultura da UNE (1960-1964) e foi se destacando como um autor de peças sintonizadas com a realidade brasileira, que tiveram importante significado no desenvolvimento da estética nacional-popular.
Em 1964, foi criador do Grupo Opinião, com Paulo Pontes, Armando Costa, João das Neves, Denoy de Oliveira, Ferreira Gullar, Pichin Plá e Thereza Aragão. Também trabalhou como ator de teatro, cinema e como autor de televisão - onde fez sucesso com a série "A Grande Família", na Rede Globo (1973).
Entre suas peças encontram-se "Bilbao, Via Copacabana" (1957), "Chapetuba Futebol Clube" (1959), "A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar" (1960), "Auto dos 99%" (1962), "Quatro Quadras de Terra" (1963), "Os Azeredo Mais Os Benevides" (1964), "Opinião" (1964), "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come" (1965), "Moço em Estado de Sítio" (1965), "Mão na Luva" (1966), "Meia Volta Vou Ver" (1967), "Papa Highirte" (1968), "A Longa Noite de Cristal" (1971), "Corpo a Corpo" (1971), "Em Família" (1972), "Allegro Desbum" (1973) e "Rasga Coração" (1974)."
Marcus Vinicius
Violonista, maestro e compositor, Marcus Vinicius ganhou, em 1967, o primeiro, segundo e quarto lugar da Feira de Música do Nordeste, realizada em Recife, sendo ainda escolhido o "Melhor Autor-Compositor" pelo conjunto da obra apresentada. Foi para o Rio de Janeiro em 1968 e formou, com Geraldo Azevedo e Naná Vasconcelos, um grupo de pernambucanos que se apresentavam em diversos locais. Em 1970, completou o curso superior de música no Instituto Villa-Lobos, onde passou a lecionar. No mesmo período, participou com Sérgio Ricardo e Sidney Muller do show "Opção".
Em 1974, lançou seu primeiro disco, o LP "Dedalus", seguido de "Trem dos Condenados" (1976) e "Nordestino" (1979). Foi diretor artístico da gravadora Marcus Pereira, que empreendeu uma importante série de gravações com intuito de preservar a memória musical popular de diversas regiões do Brasil. É autor das peças "Domingo Zeppelin" e "Boca do Inferno", premiadas em 1975 e 1978 pelo Serviço Nacional do Teatro (SNT).
Compôs trilhas para cinema, como as de "O Evangelho Segundo Teotônio" (Vladimir Carvalho, 1984), "A Hora da Estrela" (Susana Amaral, 1985), "Uma Questão de Terra" (Manfredo Caldas, 1993), "São Paulo, Cidade Aberta" (Caio Plessmann, 2010), e teatro - "Sonho de Uma Noite de Verão" (1984), "O Burguês Ridículo" (1996), "Turandot" (1999). Em 1997 lançou o CD duplo "Música do Cinema Brasileiro", com suas composições para diversos filmes.
Nos anos 90 passou a dirigir a gravadora CPC-UMES, voltada para a difusão da música brasileira de qualidade, cujo espaço nas majors é cada vez mais reduzido.
Ficha Técnica
Dramaturgia: Oduvaldo Vianna Filho. Direção: João das Neves. Música: Edu Lobo (Chegança) e Marcus Vinícius. Elenco: Chico Américo, Danilo Caputo, Emerson Natividade, Erika Coracini, Ernandes Araujo, Graça Berman, Guilherme Vale, João Ribeiro, Junior Fernandes, Leonardo Horta, Léo Nascimento, Marcio Ribeiro, Mariana Blanski, Paula Bellaguarda, Pedro Monticelli, Rafaela Penteado, Rebeca Braia, Ricardo Mancini, Telma Dias e Zeca Mallembah. Cenografia: João das Neves e Rodrigo Cohen. Figurinos: Rodrigo Cohen. Direção Musical: Léo Nascimento. Assistente de Direção: Alexandre Kavanji. Iluminação: Leandra Demarchi. Preparação Corporal e Orientação de Movimento: Alício Amaral e Juliana Pardo. Sonoplastia: Sabrina Novaes. Produção: CPC-UMES. Fotos: Gal Oppido.Projeto e Desenvolvimento Gráfico: Nina Torres e Apolo Longhi.
Serviço
Os Azeredo Mais Os Benevides – Temporada prorrogada por tempo indeterminado, no Cine-Teatro Denoy de Oliveira. Rua Rui Barbosa, 323, Bela Vista. Telefone: 3289-7475. Ingressos: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada). Temporada: Sextas e Sábados, às 20h e domingos, às 19h. Classificação Indicativa: Livre. Capacidade: 88 lugares. Duração: 120 minutos.
Músicas
Chegança (Edu Lobo), Patrão Bom Faz Esquecer Felicidade (Marcus Vinicius de Andrade), Amizade Que Nasce (Marcus Vinicius de Andrade), Festa da Construção (Marcus Vinicius de Andrade), Amor Verdadeiro Casa Com Dinheiro (Marcus Vinicius de Andrade), Batendo Sem Pensar (Marcus Vinicius de Andrade), Salustiano Não Quer Mais Dividir (Marcus Vinicius de Andrade), Amizade Que Continua (Marcus Vinicius de Andrade), Tempo de Nada (Marcus Vinicius de Andrade), Sangue Frouxo, Sangue Vão (Marcus Vinicius de Andrade), Amizade Dominada (Marcus Vinicius de Andrade), Como Ser Amigo de Quem Trai? (Marcus Vinicius de Andrade), Cacau É Boa Lavra e Pisa Pisa (Domínio Público, recolhidas no filme “Cantos de Trabalho - Cacau” [1976], de Leon Hirszman), Toada das Estrelas (Domínio Público), Incelença (Domínio Público, letra adaptada por João das Neves), Semente e Receita (João das Neves, Léo Nascimento e Erika Coracini) e Repente Número Um (João das Neves, Léo Nascimento e Erika Coracini).