Faz tempo que a atuação de grupos da cena teatral se expandiu do Centro de São Paulo para a periferia da cidade - muitos deles foram criados lá. Parte dessas companhias abriu sua própria sede, onde, além de encenar seus espetáculos, desenvolvem projeto de pesquisa e, assim, participam ativamente da rotina da população daquela comunidade. É o caso da Brava Companhia, que, desde 2007, ocupa oSacolão das Artes, no Parque Santo Antônio, depois de reforma para adequação de seu espaço cênico. A Brava Companhia estreia novo espetáculo e depois apresenta mostra de seu repertório.
Em um paralelo com sua própria história, a Brava Companhia parte da realidade para ficcionar seu novo espetáculo. JC estreia dia 30 de maio, sexta-feira, às 20 horas, no Sacolão das Artes. Com direção de Fábio Resende e dramaturgia de Ademir de Almeida, a peça mostra a via crucis de um coletivo de trabalhadores da arte, conhecido como Os Doze Apóstolos atuante na periferia de uma metrópole.
A história desenrola-se em meio a um cenário controlado pela indústria da cultura, onde um grupo luta ao mesmo tempo para sobreviver e manter sua produção crítica e radical. A ideia é colocar em pauta uma discussão sobre o trabalho, a religião e a indústria cultural.
Por meio de uma encenação e atuação sustentada pela diversão e humor crítico, a montagem traz à tona a discussão sobre o trabalho artístico, assunto inserido nas relações de produção da sociedade capitalista e da indústria cultura. Também são enfocados aspectos ligados ao mundo do trabalho e à mercantilização das relações de produção da vida.
JC é parte de uma intensa pesquisa da Brava Cia chamada Teatro da Contra Imagem. Trata-se de um teatro feito na era das imagens, na sociedade do espetáculo, em que as imagens alienam e conferem às pessoas a condição de meros consumidores. O trabalho aborda três temas: o trabalho artístico, a indústria cultural e a religião. “Estes temas são tratados e colocados numa peça em que se faz um paralelo com nosso próprio grupo, com a própria Brava”, afirma Fábio Resende.
Optamos por fazer um paralelo com a história e com a imagem de Jesus Cristo, retratado pela figura de JC, um trabalhador artista que vê e participa do processo de cooptação e dissolução do grupo do qual faz parte num cenário controlado por Deus Mercado e seus agentes culturais. Neste grande circo neoliberal, JC é conduzido ao sucesso. Seu sucesso é também seu calvário”, comenta o autor Ademir de Almeida.
A encenação
A montagem foi concebida para parecer um ensaio. Ou seja, conferir a toda a peça o ato de ensaiar, do não exatamente pronto, acabado. “A ideia de ensaio para nós está também ligado ao fato de colocarmos uma posição frente aos assuntos. Ou seja ensaiar sobre eles, como fazem os teóricos. Claro que isso é uma proposta de encenação, portanto o que é para parecer um grupo ensaiando, foi ensaiado”, explica o diretor.
Em cena, ficam aparentes até as ferramentas usadas pelos técnicos de som, luz e contrarregragem. Os figurinos, apesar de passarem por um tratamento especial, dão a ideia de roupas usadas. A iluminação segue também essa proposta de ensaio, feita com um número pequeno de refletores, alguns sendo afinados no momento presente da execução das cenas.
O cenário, a iluminação, os figurinos são simples e articulados numa relação de apresentação frontal ao público, sem quarta parede, com portas e janelas escancaradas. As músicas foram criadas para a peça e são tocadas ao vivo e mecanicamente.
“Todos os signos da peça são articulados para primeiro conferir ao espectador a possibilidade de um divertimento crítico sobre os assuntos levantados e caracterizar todo o trabalho como um ensaio de grupo de teatro, utilizando para isso o revelação constante do como fazer”, explica Fábio.
“O que tentamos revelar na peça é o processo existente na realidade, na vida concreta, que fazem com que a arte e a cultura sejam cada vez mais controladas e subordinadas à ordem vigente, passíveis de serem enlatadas e vendidas ao consumidor. Para sobreviver é necessário a qualquer trabalhador, inserido nos modos de produção capitalista, vender seu único bem, ou seja, seu corpo, sua força de trabalho. Para este coletivo artístico apontado na peça a condição não é diferente”, explica Fábio Resende.
A narrativa central da peça é entrecortada por outras cenas, cenas de interrupção, que compõem uma dramaturgia paralela, ampliando as questões levantadas sobre os temas, para além da especificidade do trabalho artístico. Segundo o autor, “a peça foi concebida para ser um ponto de tensão, ainda que sabidamente pequeno, entre o natural e o assombro, entre o presente e o que ainda está por vir, é um teatro que diverte, que se utiliza do humor, do popular para dialogar, conversar e rir e o riso é, sem dúvida, o melhor ponto de partida para o pensamento. Outro ponto importante da concepção é a construção épica da peça, que privilegia a diversão como ferramenta para o apontamento crítico”,