José Tundisi, grande especialista em corpos d’água doce, propõe um sistema integrado com imagens de satélite e drones e a universalização do saneamento básico
O território brasileiro conta com 12% do volume de toda a água doce do planeta e 18,2 milhões de hectares de superfície de água (dados do MapBiomas, 2022). Nossa riqueza hídrica contrasta com a situação em outras regiões do mundo, onde a água é escassa e motivo de conflitos internos e geopolíticos.
Por aqui, a abundância vem acompanhada por um descaso na proteção de nascentes, rios, lagos e represas. O Prof. Dr. José Galizia Tundisi, um dos maiores especialistas brasileiros em águas interiores, aponta que os corpos d’água no Brasil são impactados pela poluição originada por diversas fontes.
Dependendo da região, a predominância pode ser de poluentes derivados do esgoto doméstico, pela falta de tratamento; pelo despejo de resíduos industriais ou de mineração; pelo desmatamento, que contribui para o aumento de aporte de sedimentos e substâncias tóxicas nas águas; ou pelo uso excessivo de fertilizantes, herbicidas e pesticidas nas áreas agrícolas.
Em muitas regiões, existe uma combinação dessas fontes: no estado de São Paulo, por exemplo, que tem uma alta concentração de população e onde estão muito presentes as atividades industrial e agrícola, há todo um conjunto de fatores afetando as águas interiores, destaca o biólogo, que é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Secretário Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação de São Carlos, no estado de São Paulo.
E como existem várias fontes de poluição, a solução para o problema é complexa, multifacetada e envolve, em primeiro lugar, o tratamento de 100% do esgoto no país, defende José Tundisi. Ainda há, pelo menos, 50 milhões de brasileiros vivendo sem acesso a esgoto tratado – o que equivale a 23% da população. Coletar o esgoto não é suficiente; é preciso tratá-lo de maneira apropriada em vez de simplesmente despejá-lo em algum rio.
Por outro lado, também se faz necessário controlar e fiscalizar muito bem as áreas de mineração, além de reduzir a quantidade de fertilizantes e defensivos agrícolas usados nas plantações, pois esses materiais também atingem as águas interiores e são importantes fontes de contaminação.
“Na verdade, o que precisaria haver no Brasil é um controle mais efetivo e governança das bacias hidrográficas. No Brasil, ainda temos muitas discrepâncias entre a governança em diferentes bacias. Mesmo no estado de São Paulo, que tem 22 bacias hidrográficas e um sistema de gestão de recursos hídricos razoavelmente bem avançado, existem discrepâncias e isso causa problemas, porque em algumas você tem um avanço considerável nessa gestão e um controle mais adequado, enquanto em outras você tem um controle menos adequado, menos efetivo dessas condições”, afirma José Tundisi.
E como realizar esse controle? Um primeiro e essencial ponto é o monitoramento em tempo real, segundo o biólogo. O Brasil necessita de um projeto de monitoramento de grande porte, que abranja o país inteiro, pois sem saber o que está poluindo as águas, onde e em que volume, é difícil tomar medidas para corrigir os danos ou mitigar os efeitos dessa poluição.
“Eu tenho insistido muito com a Agência Nacional das Águas para que faça um megaprojeto de monitoramento com transmissão de dados em tempo real. Com isso, você teria, combinando imagens de satélite, de drones e monitoramento em tempo real, um enorme conjunto de informações sobre as áreas mais afetadas e as áreas menos afetadas pela poluição, para poder atuar decisivamente nesse processo”, conta ele.
O biólogo ressalta que ainda é possível reverter danos causados ao sistema e que, muitas vezes, ações efetivas resultam em recuperação rápida das áreas afetadas. A tecnologia é uma aliada poderosa nessas ações, principalmente em áreas mais degradadas, tanto na recuperação como na fiscalização. Por exemplo: as indústrias devem tratar seus resíduos antes de despejar os efluentes nos corpos d’água, mas o monitoramento desse tratamento é deficiente, assim como a fiscalização. O monitoramento em tempo real permitiria descobrir, por exemplo, quais indústrias estão se valendo de truques como despejar os resíduos à noite para evitar os fiscais.
O monitoramento se torna ainda mais necessário diante das mudanças climáticas e aquecimento global, que tendem a agravar os problemas causados pela poluição. Por exemplo, se aumenta a concentração de nitrogênio e fósforo nas águas de uma represa, e ao mesmo tempo a temperatura aumenta pelas mudanças globais, começam a se desenvolver algas tóxicas, que não tomariam aquelas águas se a temperatura estivesse normal, mas se multiplicam rapidamente com o aumento generalizado da temperatura. Com o monitoramento em tempo real, é mais fácil identificar onde estão problemas presentes e potenciais e agir de acordo.
É preciso pensar o Brasil, destaca o biólogo. Crescimento populacional, saúde, educação, estratégias de desenvolvimento de longo prazo, meio ambiente e mudanças climáticas – tudo isso precisa ser pensado e planejado para que o país progrida e se desenvolva de uma maneira sustentável, integrando a economia verde.
“É preciso haver um órgão que pense o país como um todo. O nosso país é extremamente complexo, esse país não é um país só: nós temos cinco ou seis Brasis. Temos regiões que são diversas antropologicamente, economicamente e ecologicamente. Tem que haver um órgão pensador, um grupo de gente pensando como atuar nessas diferentes áreas do país, com uma visão estratégica de futuro. Esse é o primeiro passo”, afirma José Tundisi.
A entrevista completa com o biólogo está na revista O Biólogo, do Conselho Regional de Biologia da 1ª Região, como parte de uma edição inteiramente dedicada a discutir a água e a biodiversidade aquática. Link para a edição.