Com idealização de Tertulina Alves e dramaturgia de Rudinei Borges , peça traz um olhar feminino sobre o sertão e aproxima questões do sertão nordestino ao corpo feminino
Sertão sem Fim circula por São Paulo até junho percorrendo os teatros municipais e oficinas culturais com ingressos gratuitos |
Foto: Keiny Andrade |
Em 2018, a atriz Tertulina Alves retornou à Macaúbas, município localizado no interior da Bahia onde passou parte de sua infância, para dialogar com mulheres que vivem na região e experimentam de diferentes formas as condições do sertão nordestino. Os relatos foram unidos à história da própria Tertulina e se transformaram na peça Sertão Sem Fim, que inicia uma circulação por vários teatros da cidade de São Paulo entre os meses de março e junho (confira a programação abaixo), depois de uma curta temporada em 2021, presencial e on-line. Vencedor duas vezes do Prêmio Zé Renato, o público poderá assistir a peça em maio nos Teatros Cadilda Becker (dias 12, 13 e 14) e Arthur Azevedo (dias 19, 20 e 21). A dramaturgia é de Rudinei Borges dos Santos e a direção é de Donizeti Mazonas.
Na peça, Tertulina interpreta Bastia, personagem que traz em seu corpo essas diferentes formas de se viver o sertão. As mulheres mais presentes na construção da personagem são a avó de Tertulina, Maria Tertulina, que nasceu no sertão Bahia, na região de Três Outeiros de Macaúbas e migrou para São Paulo, encontrada recém-nascida em um cesto de palha num curral; Maria Izabel, moradora da comunidade de Três Outeiros de Macaúbas e conhecida até hoje, com mais de 80 anos, como a Rainha das Cavalgadas; e da própria Tertulina Alves, cuja infância no sertão foi marcada por um período de forte seca.
A história de Bastia é marcada por uma imensa tragédia pessoal: seu marido, o vaqueiro Dão Sálvio, foi covardemente assassinado por fazendeiros da região. O motivo da morte de Dão Sálvio era a prosperidade do casal, que trabalhou duramente durante o período de estiagem e conseguiu adquirir um rebanho de sessenta cabeças de gado. Montada em um cavalo, ela percorre a cidade com o corpo morto do marido, em busca de justiça.
“No Sudeste ainda há um imaginário sobre o sertão que o remete quase sempre à seca. Em Sertão Sem Fim buscamos pensar em outras possibilidades de retratar esse espaço. A Maria Izabel, por exemplo, é uma mulher que foi arrimo de família desde os 10 anos, tendo de trabalhar longe de casa, em espaços onde chovia com mais frequência, para que pudesse trazer sustento para a família”, conta a atriz.
"É ao longe, no sertão sem fim, que esta peça convida a plateia a se enlutar e acompanhar os velórios simbólicos de vidas sertanejas. Há uma vontade de justiça no ar, e não de vingança." (Eduardo Nunomura/Carta Capital)
Tertulina teve ainda outras conversas marcantes com mulheres de idades e relações distintas com o espaço – incluindo uma jovem de 25 anos que deixou a cidade e mulheres de 45, 75 e 100 anos, sendo essa última a responsável por contar à Tertulina histórias sobre a sua avó, que a atriz perdeu quando era criança.
Os relatos foram transferidos para Rudinei, dramaturgo e poeta ficcionista que assina a dramaturgia do espetáculo. “As narrativas, os trajetos e a história oral de mulheres sertanejas que eu sequer conhecia foram um convite sobretudo ao exercício da escuta e da empatia. O que eu tinha em mãos era o registro de áudios, uma voz miúda, quase ao longe, que me contava uma trajetória de luta na terra e pela terra, fragmentos de memórias que testemunhavam a desigualdade social e as injustiças do Brasil profundo”, diz Rudinei.
SOBRE A MONTAGEM
“Por sua vez, a direção de Donizete Mazonas usufrui do corpo da atriz para apoiar a dramaturgia, propondo outras camadas. O encenador com experiência também em dança, tem um olhar cinestésico para a jornada de Bastia que ora acrescenta elementos, ora exagera.” (Celso Faria/E.urbanidade)
O corpo tem um lugar fundamental no processo de criação de Sertão Sem Fim. Donizeti Mazonas, artista com ampla experiência em dança e teatro, foi convidado para assumir a direção da peça e sugeriu, desde o início, propostas que não caíssem em regionalismos ou visões estereotipadas sobre o Nordeste e o sertão.
“Nossa questão foi olhar para o universo dessa mulher, nas suas questões que incluíam a falta de chuva, as desigualdades, a dificuldade de construir seu espaço no mundo e as injustiças”, diz Donizeti, complementando que a peça traz o sertão pra dentro da personagem, como se ele fosse também seu corpo. “O texto vem de um espectro de narrativa muito poética, o que ajudou a pensarmos na Bastia como o próprio sertão, sendo ela uma tradução da chuva, da aridez e da natureza”.
Para confirmar essas escolhas, a peça tem poucos objetos cênicos, com ênfase a troncos de madeira criados pelo artista plástico Eliseu Weide que são manipulados por Bastia. “Os elementos são bastante sintéticos para se dar a vastidão e a multiplicidade do que pode ser o sertão”, diz o diretor.
O dramaturgo Rudinei Borges dos Santos conta também sobre outros aspectos que o apoiaram na criação do texto: “Passei dias ouvindo aquelas vozes, labutando para amalgamar os relatos de Tertulina e daquelas matriarcas tão parecidas com a minha mãe e a minha bisavó Eva e, talvez, tão parecidas comigo. Algo aconteceu quando comecei a ouvir os áudios ao mesmo tempo em que contemplava minuciosamente as fotografias de Araquém Alcântara, o maior fotógrafo deste país. É de causar emoção a delicadeza com que Araquém fotografa cada marca no rosto da gente sertaneja. Ali, naquele encontro entre palavra e imagem, nasceu Ser Tão Sem Fim, uma composição ficcional inspirada na vida e na residência de pessoas esquecidas num Brasil em frangalhos”.
Para Tertulina, a peça também estabelece um ponto de empatia com o público ao expor na cena a história de uma mulher que vai atrás de justiça. “Essa mulher passou anos construindo uma história com inúmeras dificuldades e esse algo foi ceifado. Esse corte injusto na sua vida por ser lido como as inúmeras dificuldades que nós temos enfrentado no Brasil de hoje”, ressalta.
SOBRE A PEÇA
O espetáculo ganhou o Prêmio Zé Renato para a Cidade de São Paulo no ano de 2020 e sua estreia aconteceu em fevereiro de 2021, no Teatro Sérgio Cardoso, com público reduzido devido à pandemia do COVID-19. Logo em seguida, o espetáculo foi contemplado com o ProAC LAB para gravação e transmissão on-line.
Em 2023, o projeto foi novamente contemplado com o Prêmio Zé Renato para uma circulação pelas regiões periféricas da cidade de São Paulo.
O crítico José Cetra, um dos jurados do prêmio APCA, incluiu Sertão sem Fim em sua lista de Melhores do ano de 2021, nas categorias Melhor Espetáculo e Melhor Atriz.
SINOPSE
Sertão Sem Fim faz o cruzamento da história de três mulheres da comunidade de Três Outeiros de Macaúbas: Maria Tertulina, sua neta Tertulina Alves, e Maria Izabel, para criar a personagem e a história de Bastia, desde seu nascimento até sua viuvez.
FICHA TÉCNICA
SERTÃO SEM FIM
Idealização, Pesquisa, Direção de Produção e Interpretação: Tertulina Alves
Produção Executiva: Alessandro Hernandez
Dramaturgia: Rudinei Borges
Direção: Donizeti Mazonas
Cenografia e Figurino: Eliseu Weide
Desenho de Luz e Design Gráfico: Hernandes de Oliveira
Música: Gregory Slivar
Operador de Luz: Hernandes de Oliveira
Operador de Som: Viviane Barbosa
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Comunicação | Márcia Marques
Serviço
SERTÃO SEM FIM
TEATRO CACILDA BECKER
12, 13 e 14 de maio, sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 19h
Endereço: R. Tito, 295 – Lapa
Ingresso: gratuito - retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo
TEATRO ARTHUR AZEVEDO – Sala Multiuso
19, 20 e 21 de maio, sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 18h
Endereço: Av. Paes de Barros, 955 - Alto da Mooca
Ingresso: gratuito - retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo
Duração: 60 minutos | Classificação: Livre