Colaboradores - Rodrigo Pagliani

Cresce o número de estupros no interior de SP; cerca de 77% das vítimas são crianças ou vulneráveis

14 de Junho de 2022

Segundo informações do instituto Sou da Paz, foram 3.066 ocorrências no estado no 1º trimestre do ano, sendo 1.864 casos apenas em cidades do interior 

Os casos de estupro caíram 1,5% em todo o estado de São Paulo no primeiro trimestre do ano na comparação com o mesmo período de 2021, segundo dados do Instituto Sou da Paz divulgados na segunda-feira (13/6). Em três meses, foram 3.066 casos contra 3.113 no ano passado. No entanto, esse tipo de ocorrência teve aumento de 3,6% no interior paulista. As informações são do R7.

Mais de 80% das vítimas de estupro são meninas de até 13 anos | Foto: Pixabay

No primeiro trimestre de 2021, foram 1.800 registros no interior. Agora foram 1.864. Já na capital, os estupros tiveram queda de 11,1% em relação ao mesmo período do ano anterior, passando de 647 para 575.

Os estupros de vulneráveis, que são menores de 14 anos, pessoas alcoolizadas, idosas, com deficiência ou cujas condições de saúde as impedem de discernir o ato violento, representam 76,7% dos registros no primeiro trimestre. Nesse público, os casos cresceram 4,7% no interior, enquanto na capital recuaram 7,7% em relação ao mesmo período de 2021. Foram 2.352 ocorrências neste ano, sendo 1.442 no interior.

"É fundamental o registro, mas esse tipo de crime não depende só da polícia. É preciso ter outras frentes de atuação para evitar que o crime seja continuado. Até porque demora para que a vítima perceba o crime e chegue a denunciar. Por ser tão vulnerável, precisa, primeiro, reconhecer que foi crime", afirma Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz.

No primeiro trimestre, cinco unidades do Deinter (Departamento de Polícia Judiciária do Interior) registraram aumento nas taxas de estupro em comparação com o mesmo período de 2021. A alta mais intensa foi na região de São José do Rio Preto, que tem uma taxa de 11,3% a cada 100 mil habitantes. 

Em relação aos casos de estupro de vulneráveis, novamente São José do Rio Preto registrou a pior taxa (9,2% a cada 100 mil habitantes), seguido por Presidente Prudente (7,9%) e Araçatuba (6,8%).

Segundo a advogada especialista em questões de gênero Marina Ruzzi, os registros não são em tempo real. "Apesar da facilidade do boletim de ocorrência online, estando na presença dos agressores, isso dificulta a denúncia. No caso dos vulneráveis, não são eles que fazem a denúncia, são pais e mães, e as vítimas precisam, primeiro, verbalizar a situação e identificar o abuso", conta.

Perfil das vítimas

De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Sou da Paz entre 2016 e 2020, 83% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes de até 14 anos, sendo 83% meninas. Também 60% das vítimas são brancas e 38% negras.

"Acontece em todos os grupos, diferentemente do homicídio, que ocorre mais na população negra. O pico de violência contra meninas é aos 13 anos. Já os meninos são vítimas mais novos, por volta de 4 anos de idade", relata a coordenadora.

No relatório, foram analisados quase 39 mil boletins de ocorrência do estado de São Paulo. Em 79% havia indicação de autoria do crime. Os agressores são, na grande maioria, familiares, conhecidos ou pessoas com vínculo afetivo às vítimas.

São crimes que ocorrem dentro de casa: 78,5% nas residências e 8,1% em via pública.

"É um crime que apresenta padrão e tem poucas variações. Depende de políticas públicas integradas de saúde, educação e conscientização para enfrentamento. Há uma alta prevalência de estupro de vulneráveis. A denúncia é fundamental para seguir à Justiça", ressalta Cristina Neme. 

Crescimento de estupros no interior

Ariel de Castro Alves, advogado e membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-SP e do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, afirma que em cidades do interior existe mais facilidade em denunciar os casos, por isso os números são maiores do que na capital.

"As delegacias e conselhos tutelares estão mais próximos das pessoas. As pessoas conhecem os conselheiros, os policiais e existe uma comunicabilidade maior entre as pessoas, mais convivência comunitária", explica.

Segundo Ariel de Castro, muitas regiões são mal iluminadas e as famílias moram em locais isolados no interior, o que favorece a violência sexual.

"São Paulo tem altos índices de violações e violências contra crianças e adolescentes,  principalmente sexuais, mas é o único estado do país que não tem delegacia especializada. Além disso, em zonas rurais e no interior, o machismo e a violência interpessoal estão mais arraigados, por isso que tem mais incidência de crimes sexuais", destaca o advogado.

Mas a subnotificação ainda é uma realidade por envolver vulneráveis. A advogada Marina Ruzzi lembra também que "crianças não entendem que o que viveram é abuso, não diferenciam de carinho, e precisam de ajuda, por isso demoram a verbalizar".

 Gráfico mostra o número de casos de estupro de vulneráveis por região | Imagem: Reprodução / Instituto Sou da Paz  

Prevenção e rede de apoio

O período mais crítico foi em 2020, no pico do confinamento da pandemia de Covid-19, quando as vítimas ficaram presas em casa junto aos agressores.

"Em abril de 2020, houve uma queda nos registros. Subiram no trimestre seguinte do mesmo ano. Até agora manteve alta na série histórica e voltamos ao patamar dos 3.000 casos por trimestre, sendo 2.300 de estupro de vulneráveis. No primeiro trimestre 2021-2022 houve uma queda de casos, mas pequena", revela a coordenadora do Sou da Paz.

Com a flexibilização das atividades e o retorno às escolas, a tendência é que mais casos de violência venham à tona.  

"Os professores podem perceber os sinais em alunos e notificar o Conselho Tutelar. Temos que ampliar a discussão sobre educação sexual para fortalecer os vulneráveis, com foco em prevenção. É preciso conscientização social em relação ao problema porque é um crime muito silenciado, um tabu", afirma Cristina Neme.

Já o advogado especialista em direitos humanos lembra outro problema: após fazer o boletim de ocorrência, demora meses para a vítima ser ouvida por meio de escuta protegida e depoimento especial, previstos em lei, e, no período, ela fica sujeita a mais violência.

"O problema é que não temos um sistema adequado de proteção e atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência. Apesar de existir legislação que obrigue que municípios e estados tenham programas e serviços de atendimento às vítimas, com apoio de recursos federais, eles quase não existem", diz.

As escolas, conselhos tutelares, postos de saúde e hospitais podem avaliar os sinais de violência, como hematomas ou mudança de comportamento, e comunicar as autoridades para investigação. O Disque 100 é outra ferramenta para denúncias. 

Marina Ruzzi enfatiza que hoje a rede de proteção está melhor do que no passado: "Tem centros de referência da mulher, ONGs com assessoria psicológica, abrigos da rede para mulheres e filhos em situação de risco, muito mais apoio. Sozinha ela não está".

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