A Defensoria Pública de SP ingressou como amicus curiae no julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 527 no STF (Supremo Tribunal Federal), que julgará se transexuais e travestis com identidade de gênero feminino presas têm direito a optar por cumprir penas em presídio feminino ou masculino. Em memorial elaborado pelos Núcleos Especializados de Situação Carcerária (Nesc) e de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (Nuddir) da Defensoria, com dados oriundos de informações fornecidas pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e de inspeções realizadas pelo Nesc em unidades prisionais, consta que as celas dessas unidades reservadas à população LGBTQIA+ têm superlotação acima da média.
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Em 7 inspeções em diferentes unidades prisionais entre os anos de 2019 e 2021, foram constatadas diversas violações de direitos contra a população LGBTQIA+. “As violações que têm mais expressividade (20%) são aquelas que marcam claramente o desrespeito a escolha de gênero, que aniquilam o desejo dos sujeitos, pois ignoram o que caracteriza essas pessoas, como não serem chamadas pelo nome social, não receberem tratamento hormonal e serem obrigadas a se desnudar nas bárbaras “blitz” (operações de desumanização a pretexto de segurança) realizadas por agentes penitenciários na frente das demais pessoas. Ao que parece há um desejo cruel de que neste contexto essas pessoas sejam tratadas como homens”, aponta a Defensoria no documento.
Quanto à superlotação das celas destinadas à população LGBTQIA+, os/as Defensores/as apontam que “em regra, independentemente do local destinado à população LGBTQIA+, as celas são superlotadas, e, por vezes, mais lotadas se comparadas com as demais celas do estabelecimento prisional”. No Centro de Detenção Provisória de São Vicente, havia uma única cela destinada à população LGBTQIA+. O local tinha capacidade para 3 pessoas, mas abrigava 9, ou seja, 300% de superlotação.
Assinam o memorial a Defensora Pública Isadora Brandão Araujo da Silva e o Defensor Vinicius Conceição Silva Silva, ambos do Nuddir, e Mateus Oliveira Moro, Gabriele Estabile Bezerra, Leonardo Biagioni de Lima e Thiago de Luna Cury, do Nesc.
Assim, a Defensoria requereu ao STF a procedência da ação, aplicando-se interpretação conforme à Constituição para garantir que as custodiadas travestis e transexuais do gênero feminino tenham a possibilidade de consulta e escolha do local de privação de liberdade e de sua alteração, compatível com a sua identidade de gênero, podendo ser alocadas em estabelecimentos masculinos ou femininos, inclusive com informações sobre alas e espaços reservados especificamente à população LGBTQIA+. Solicita também que seja garantido a essas pessoas as condições adequadas para exercer sua identidade de gênero, especialmente com respeito ao nome social, o uso de uniformes e corte de cabelo de acordo com a identidade de gênero e a realização do tratamento hormonal necessário.
Em nome do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (Gaets), o Defensor Público Rafael Ramia Munerati, do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria paulista fez a sustentação oral.
O julgamento da ADPF, proposta pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), deve entrar na pauta do STF na próxima semana, em plenário virtual. Em março deste ano, o Relator, Ministro Luis Roberto Barroso deferiu parcialmente a medida cautelar para garantir exclusivamente o direito de mulheres transexuais cumpram pena em presídio feminino. Posteriormente, houve nova decisão estendendo os efeitos da cautelar às travestis, para que indiquem sua opção de cumprir pena em estabelecimento prisional feminino, ou de se manter em ala especial em estabelecimento prisional masculino.