William Douglas
Juiz Federal, professor e autor
William Douglas |
Quando os caminhoneiros prometeram parar o país eu repeti que ninguém pode impedir o direito de ir e vir de outrem, nem querer ganhar no grito ou na força. Digo o mesmo agora: a Avenida Paulista tem que ser desocupada.
Quando o PT e a CUT marcaram ato para o dia 13 de março, data previamente agendada pela oposição, repeti a Constituição:
“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (artigo 5º, inciso XVI, CF).
Agora, havendo reunião pró-Dilma/Lula marcada previamente, oposicionistas não podem se valer do recurso de acampar dias antes frustrando a reunião previamente marcada. Querer deixar ambos juntos é injusto e errado com os situacionistas e bastante temerário em termos de se evitar sangue nas ruas.
Acrescento que se reunir é um direito, mas não envolve o direito de transtornar a vida de outrem. Reuniões, sejam de caminhoneiros, estudantes, situacionistas ou oposicionistas, não podem ser feitas de modo a tornar ainda mais infernal a vida de quem precisa se deslocar, lembrando que ir e vir também é um direito constitucional. Não existe o “direito de aborrecer”.
Nesse passo, a hostilização de pessoas em seus momentos privados me parece um caminho cujo fim é a perda da civilidade mínima necessária a um país livre. Quando alguém sente vontade de hostilizar outrem, deve sempre ter em mente que está abrindo a porta para uma cultura onde também pode ser hostilizado por outrem. Como já diz há tempos a sabedoria popular, a liberdade de um esbarra quando começa o direito do outro. Existem limites que não devem ser ultrapassados. Essa cultura que vem se criando, que não respeita sequer casamentos e funerais, contém o mesmo germe que vem destruindo nações inteiras em outros continentes. Vamos parar com isso antes que fique mais grave!
Os dois lados da questão precisam começar a respeitar a Constituição sempre e não apenas quando ela protege seu lado. “Dois pesos e duas medidas” não funciona nunca. Ou, como disse o Senador Jefferson Peres: “Ética é ser contra a injustiça mesmo quando ela nos beneficia, e a favor da justiça mesmo quando ela nos prejudica”. Nesse passo, me reporto a meu artigo sobre o novo e pavoroso Maracanã.
Expresso meu mais veemente repúdio a qualquer governo que tratar de forma desigual as manifestações conforme sejam a favor ou contra ele mesmo. Isso se aplica à União, Estados, Municípios, à administração direta e indireta. Isso não é democrático, nem republicano, nem digno. Qualquer governo que faça isto presta um desserviço à sociedade e desmoraliza as instituições. Todo, repito, todo brasileiro deve ter o mesmo tratamento diante da Constituição e das leis, e obviamente, tratamento igual pelos governos.
Espero que todos os brasileiros aprendam a discutir sem violência e sem desrespeitar o diferente. E que comecem a discutir mais os fatos, e se evite o mero argumento ad hominem, ou seja, ataca-se alguém porque é “petralha” ou “coxinha” e ninguém mais discute as provas, os fatos.
Espero que todos os que aplaudem e criticam as decisões do Juiz Sergio Moro leiam a fundamentação dada pelo mesmo, técnica e coerente, e as críticas dos juristas que discordam da mesma, algumas também técnicas e coerentes. Espero que todos compreendam que a Constituição dotou o Judiciário de um sistema de recursos e que a Corte mais alta do país tem a maioria dos seus membros nomeada por governos do PT, sendo no mínimo temerário dizer que é tribunal de exceção. E se estão “acovardados”, quem os escolheu? Ou seria a “covardia” o fato de não decidir exatamente como pedem assessores e amigos?
Sobre o STF, espero o mesmo de cada juiz: que decida de acordo com a Constituição e as leis, honrando a República, e não por simpatias, antipatias, gratidões ou vinganças. Magistrado com antipatia ou simpatia, gratidão ou desejo de vingança, deve se dar por suspeito, simples assim. Espero que isso ocorra em todas as instâncias. O plenário do STF tem histórico de diversas decisões dando a retribuição da lei ao crime, e estou confiante que outra vez o país pode ter orgulho de nossa Corte Suprema.
Sobre Juízes, Judiciário e Estado de Direito, me reporto a meu artigo de mesmo título, disponível na página Quero um Brasil Diferente.
Espero que os magistrados e os advogados respeitem a Justiça e o Judiciário mais do que atendam aos interesses pessoais ou de clientes, respectivamente. As instituições agradecem, e são elas que nos protegem de termos os problemas que afligem outros países.
Igualmente, espero que a mídia se comporte um pouco melhor. Vejo claramente duas mídias, cada uma mais próxima da oposição ou do governo, e ambas me parecendo repetir o erro dos governos federal e estadual paulista, e de boa parte das pessoas: todos estão com lentes onde só enxergam aquilo que interessa ao seu lado.
Espero que todos os que analisam o que seria uma “perseguição” e “golpe” ousem comentar também sobre as provas já produzidas na forma da lei. Sinceramente, só criticar a Polícia, o MP e o Judiciário sem sequer mencionar as provas já colhidas é algum tipo de deslealdade moral. Assim como é deslealdade com a Nação mais duas coisas: tocar para frente apenas os processos de quem interessa ou querer desmoralizar as instituições na falta de argumento melhor.
Espero que as investigações, em todos os lugares onde ocorre alguma, ou deva ocorrer, alcancem igualmente todos os partidos a fim de que a faxina que urge seja completa, para o bem do nosso País. E que ninguém justifique seus erros dizendo que “todo mundo rouba“ ou que “isso já existia antes”. É nonsense justificar os próprios erros dizendo que o outro partido também rouba. É por essa cultura de “é assim mesmo’ que estamos nesta crise moral e de credibilidade, mãe de todas as demais crises pelas quais o país passa.
Espero que os políticos sejam capazes de respeitar o pobre. Aliás, apesar dos lamentáveis comentários feitos, Eduardo Paes foi o único que pediu desculpas. Muito triste tudo o que disse antes, mas fica o registro da admissão do erro, coisa raríssima entre nossos governantes. Pode até ser porque foi flagrado ou para reduzir o dano de imagem, mas é tão rara uma autoanálise e confissão de culpa que não tenho como não dar a ele minha simpatia. Não meu voto, mas certamente minha simpatia. É que eu gosto muito de Maricá.
Ainda sobre as gravações, acho muito ruim uma conversa privada vir a lume, e ao mesmo tempo acho muito bom a gente descobrir o que governantes realmente pensam, pois isso afeta nosso voto. Não sei dizer ainda qual dos dois dramas é pior: a privacidade exposta, ou não ter tais verdades expostas. Tema para longa reflexão, e já com farta discussão na doutrina e jurisprudência. Seja como for, era uma escuta lícita e os fundamentos da publicidade estão na decisão judicial em questão e sujeitos aos recursos legais.
Espero também que os advogados orientem seus clientes de forma clara, técnica, jurídica, conhecendo melhor as estatísticas de condenações e absolvições. Espero que os advogados não orientem clientes a aceitarem cargos e funções públicas para escapar da Justiça (isso tem várias consequências jurídicas). Aliás, espero que Ministros não sejam nomeados por razões diversas das republicanas, o que configura improbidade, a depender do caso, crime de responsabilidade.
Espero que consiga ler este meu texto sem me classificar e julgar sumariamente como “petralha” ou “coxinha”, até porque não tenho partido. Meu partido é meu País. Meu partido é a Constituição. Meu partido é tirar do poder todos os que enriquecem à custa da corrupção. A corrupção que tira do povo escola, hospital, segurança, estrada e, no final das contas, um futuro.
Esperava mesmo, e aí sei que estou querendo demais diante das circunstâncias, uma “renúncia coletiva” de todos os Presidentes de Poder e suas Casas, de preferência junto com todo o Congresso e governadores. A crise é tão profunda que a melhor solução é convocar novas eleições.
A dramática situação presente seria boa ocasião para que, em prol do Brasil que todos dizem amar, todos os governantes e seus substitutos legais renunciassem, cabendo ao TSE convocar novas eleições. Então, em novas eleições ainda este ano, proibido qualquer gasto nas campanhas, o povo elegeria uma nova administração. É tão grave a situação do momento que devemos deixar o povo escolher, baseando-se em todas as informações atualizadas que ora estão à disposição de todos. Mas para isso precisaríamos de governantes e eleitos mais apegados ao país do que aos cargos, abrindo mão das nomeações de amigos e correligionários, das participações em obras públicas, dos dízimos e tudo o mais. Mas eu guardo esta esperança: renúncia coletiva e eleições gerais.
Nesse passo, incluo: eleições honestas. Aquelas nas quais empreiteiras, bancos etc. não possam antecipar negócios escusos. Precisamos acabar com o poder financeiro que beneficia os corruptos e prejudica candidatos honestos. Nesse sentido, me reporto ao meu artigo em coautoria com Rubens Teixeira. Mas antes, espere, aviso: Rubens Teixeira foi diretor administrativo-financeiro da Transpetro por 7 anos. Não está citado em nenhuma delação, não tem patrimônio incompatível com sua renda e não é procurado por nenhuma mídia, pois parece que a mídia não se interessa por homens honestos. O artigo é sobre como acabar com a corrupção política no Brasil.
Os meus alunos me perguntam sobre o impeachment. Tenho três coisas a dizer sobre isso:
Ainda sobre o impeachment, estou acompanhando a comissão especial da Câmara, aquela que deveria analisar o caso, e já existe até placar de acordo com a composição da mesma. E os fatos? E a previsão constitucional de motivos? Quando alguém vai se importar com isso e não com o amor ou ódio pela Presidente?
Entre as questões em que espero mais coerência e tratamento igual está a das ditaduras. Espero que todos as repudiem, mas precisam repudiar tanto as dentro do Brasil quanto as fora dele. Não é saudável querer de volta uma ditadura, assim como não é coerente cortejar e até financiar ditaduras, sejam vizinhas ou distantes. Não é possível criticar a ditadura de 1964 e ignorar as ditaduras na América Latina. Não é possível falar em direitos humanos e calar sobre violações aos direitos humanos nos países alinhados, ou seja: ditador de minha linha política eu calo, ditador dos outros eu critico. Direitos Humanos, julgamentos justos, Judiciário autônomo, imprensa livre: temos que defender tudo isso em todos os países.
Por fim, espero que as manifestações sejam pacíficas (lembrem-se do hindu Gandhi, que libertou a Índia, e do pastor batista Martin Luther King Jr., que venceu a segregação na América).
Espero que em um país onde ninguém lê textos longos alguém tenha chegado até aqui. Espero que tenha me compreendido e, se não compreendeu, a culpa é sempre do professor.
Espero que você tenha um bom dia. E, repito:
Esta é uma breve resposta a todos os pedidos que meus alunos fizeram a respeito de minha opinião sobre os acontecimentos que convulsionam nosso país.