Kiko Marques em ação durante espetáculo (Foto: Divulgação) |
Durante a virada de ano, é comum todas as pessoas refletirem sobre o ano que está por acabar e também criar planos para o ano que vem, tornando-se dessa maneira pessoas melhores. É nesse contexto que a peça Cais ou da Indiferença das Embarcações mantém-se firme. A peça, com a Velha Companhia, reestreou no dia 16 de janeiro, no Viga Espaço Cênico, em São Paulo (SP), todo sábado, às 20h, domingo, às 19h e às segundas, na faixa 20h, e os ingressos custam R$ 20.
Dividida em dois atos, com dois quadros, cada, o espetáculo é ambientado no cais da Ilha, acompanhando a história de Waldeci, seu filho Walcimar e seu neto Walciano. O texto, que começou a ser escrito pelo carioca Kiko Marques a partir de 2006, conta a história de três gerações de uma família moradora da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, pelo ponto de vista do velho barco do local.
(Foto: Divulgação) |
Cerca de 25 artistas compõem o cast, sendo 12 atores e 2 músicos em cena, algo que aumenta a sensação de pertencimento àquela realidade. O cais é definido como um lugar de interseção entre o que é terrestre e o que é marítimo. Por ele é possível conquistar algo novo, seja bom ou ruim.
"Cais ou da Indiferença das Embarcações" venceu os prêmios Shell de melhor Autor, APCA de melhor Autor, Qualidade Brasil de Melhor Diretor e Aplauso Brasil de melhor autor a peça, sendo que estreou em São Paulo no ano de 2012 como “Obra Inédita” de incentivo a dramaturgia nacional, do Instituto Cultural Capobianco. Agora o espetáculo recebe apoio do Fomento ao Teatro do Estado de São Paulo e da Oficina Cultural Oswald de Andrade.
Confira a entrevista com o autor e diretor de "Cais":
Marcos Martins: De onde surgiu a ideia para escrever a peça?
Kiko Marques: Eu frequento a Ilha Grande (RJ) desde moleque. Meu pai era militar e fomos para lá quando eu tinha 9 anos de idade, em meados de 1973, de férias. Minha família inteira apaixonou-se pelo lugar e passamos a visitá-lo frequentemente, todos os verões, sem exceção. Notei a transformação da Ilha Grande e entendi o motivo: a chegada da energia elétrica com a TV impactou muito os hábitos dos moradores, como, por exemplo, as roupas, idênticas às de novelas. A distância me fez enxergar tudo isso.
Como foi o processo de construção dos personagens?
Todos os personagens têm um pé em alguma realidade. Nenhum deles é cópia fiel de uma história. Quando vou escrever, a dramaturgia fala mais alto. Inclusive, a história da Berenice é a mais próxima da realidade. Trata-se de uma amiga que morreu de câncer e no primeiro tratamento de texto ela ficou uma personagem ruim porque quis homenageá-la. Depois pensei: a homenagem que interessa é a dramaturgia. Transformei as memórias que tinha dela para o que era dramatúrgico. Sempre inicio tudo de realidades, memórias pessoais minhas e de atores, mas a dramaturgia fala mais alto.
De que maneira você equilibrou os momentos mais dramáticos para deixar bem clara a sua mensagem?
A vida é essa mistura: comédia, drama... Um segundo após o outro. Construo um movimento orgânico de tranquilidade para o espectador e, de repente, ele é conduzido a um drama terrível. Tentei copiar um pouco a dialética e o contraste da vida. De alguma maneira, todos os personagens podem ser condenados pelos seus atos e o movimento é esse.
Espetáculo muda de época ao longo das três horas de duração (Foto: Divulgação) |
A peça tem 180 minutos de duração. Como você observa esse contraponto, já que a maioria dos espetáculos têm, em média, 90 minutos?
Desde o início, mentalizei uma peça longa porque acho que o tempo em arte é relativo. Uma peça de 40 minutos na verdade dura 3 horas, e essa peça de 3 horas na verdade dura 40 minutos. “Cais” não seria a mesma coisa se tivesse o tempo reduzido. O teatro te possibilita viver. É uma arte que possibilita levar experiências e hoje em dia a maior prioridade das pessoas é obter informações, e não experiências. Pensava: “as pessoas devem ter saudade de um personagem”, isso durante uma peça.
Queria que o espectador realmente vivesse essa realidade e por isso o tempo é fundamental. Mas o tempo a mais não significa “encher linguiça”. São 70 anos de uma história e eu poderia contá-la rapidamente, mas ninguém viveria de fato. Apenas ouviriam a gente contar.
O que o público que ainda não veio ao teatro pode esperar de “Cais”?
Uma vivência, uma experiência artística. A arte tem a capacidade de dialogar, na sua essência, com a própria vida de cada um.
Por Marcos Martins (@MarcosMartinsTV)