Trilha sonora quadrifônica (quatro caixas de sons dispostas nos quatro cantos da sala) composta por diferentes sons vocais reproduzidos ao vivo são parte do primeiro espetáculo que estreia em Inquietos, projeto de ocupação de dança da Funarte – com programação marcada entre julho e início de outubro - que explora a relação da música com a dança.MACHO, solo concebido por Lineker, sob orientação da coreógrafa Adriana Grechi, do Núcleo Artérias, faz sessões dias 28 e 29 de agosto, sexta e sábado, às 20h.
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Criada por Lineker, em parceria com a diretora e coreógrafa Adriana Grechi, a performance de dança MACHO aborda as relações de poder que se configuram a partir de uma concepção de masculinidade hegemônica, reconhecida e legitimada socialmente. O trabalho questiona normas, padrões, representações e códigos de masculinidade que são produzidos e reproduzidos por múltiplas práticas e discursos que, reiterados histórica e constantemente, dão-lhes um aparente caráter de naturalidade e/ou essencialidade.
Performance composta no recorte da dança contemporânea, o trabalho MACHO tem como campo de investigação artística as conexões entre movimento e voz, o desejo, o queer(comportamentos não usuais de identificação sexual) e ícones da cultura pop. Possui como referencial teórico estudos feministas, estudos de masculinidades e teorias queer. O trabalho foi contemplado pelo edital ProAC LGBT 2014.
A pesquisa do multiartista aborda a construção do universo masculino na sociedade contemporânea, a partir de códigos de virilidade que, quase sempre, vêm carregados de doses de violência para se inscreverem nos corpos daqueles que foram designados como homens ao nascer.
No espetáculo de dança (onde o artista canta e interpreta, com figurino restrito a uma camiseta longa e salto alto), Lineker representa corpos que não se enquadram em tais códigos. “É importante observar que as relações de poder pautadas pelas diferenças de gênero não se encontram presentes apenas nas relações entre homens e mulheres, ou entre homens heterossexuais e homossexuais. Muitos códigos e hierarquias são reproduzidos até mesmo nas das comunidades LGBTs”, conta o artista.
“É a experiência de corpos que se desviam ou não se enquadram em tais normas e códigos de conduta, corpos que assumem um caráter abjeto e não humano, corpos que não importam”, explica Lineker.
A hipótese do artista se justifica em grande parte pelos aplicativos de encontros gays, plataformas em que muitos homens afirmam que “são machos”, que “não gostam de afeminados”, que preferem homens “com vida social heterossexual” e se exaltam nas descrições como rapazes fortes e másculos.
Ao interpretar corpos estranhos a esses padrões, Lineker explora também a estigmatização e marginalização de homens que não correspondem às normas de comportamento social.Segundo o artista, embora muitos achem que essas expressões manifestam apenas uma questão de gosto, as predileções e hierarquias nelas contidas carregam em si valores históricos e culturais que denunciam a manutenção do sistema sexista, misógino e machista, de opressão e de dominação do masculino sobre o feminino, presente nas múltiplas esferas do social.
Sobre Lineker
Lineker é bailarino, cantor, performer e diretor. Mineiro natural de Bambuí, reside atualmente na capital paulista. Sua arte não se define por um segmento artístico específico ou recortado, mas pelo cruzamento das diversas experiências que constituem sua trajetória, tendo como eixo central de suas criações o estudo das intersecções poéticas entre o movimento e a voz.
Possui como campos de interesse as relações de afeto, a cultura pop, a desconstrução de normatividades de gênero e sexualidade e questionamentos acerca da colonialidade do poder. Como bailarino e performer, vem se dedicando à criação de trabalhos solos, buscando sempre estabelecer parcerias com outros artistas da dança contemporânea de São Paulo. Dentre essas parcerias, destacam-se sua atuação como diretor, coordenador e performer do NUA - Coletivo Artístico Indisciplinar, grupo de artistas da dança, do teatro e do canto com o qual desenvolve suas principais pesquisas sobre movimento e voz, e sua participação como bailarino no elenco da Cia. Domínio Público (Campinas, SP), sob a direção de Holly Cavrell.
Em sua carreira musical, Lineker vem se afirmando como um expressivo intérprete da nova MPB. Transitando com versatilidade por gêneros como o rock, o samba, a música latina e o pop, Lineker abraça a arte da interpretação, buscando recriar de modo particular e singular cada canção que se propõe a cantar. Em 2012 lançou seu primeiro disco, eLe, com releituras de importantes obras da musica popular brasileira, eleito como um dos 100 melhores do ano pela crítica musical. Em 2014 lançou o single e vídeo Gota por Gota, e atualmente vem se dedicando ao trabalho de jovens compositores contemporâneos. O papel de educador, orientador e provocador artístico também possui grande importância para Lineker, que busca compartilhar suas experiências e pesquisas por meio de oficinas, aulas e workshops.
É bacharel em Música e mestre em Artes da Cena pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), universidade na qual também teve grande parte de sua formação em dança pelo departamento de Artes Corporais. Além da formação acadêmica, Lineker teve diferentes experiências com importantes artistas e pesquisadores – nomes como Meredith Monk. Cresceu cantando na igreja e em eventos da cidade ao lado do pai – que o acompanhava tocando violão – e criando coreografias para apresentações de fim de ano na escola.
Sobre Inquietos
De julho a setembro, ocupação de dança da Funarte traz 15 espetáculos e 12 jam sessions, além de oficinas e outras atividades que exploram a relação da música com a dança. A ocupação Inquietos também tem uma veia reflexiva ao promover debates, palestras e mostras que visam discutir a arte produzida na contemporaneidade.
As relações da dança com o som serão exploradas em diversos níveis: com os instrumentos musicais, música executada ao vivo e produção do som no próprio corpo (canto ou percussão corporal). As atividades migram desde o universo erudito até o popular. “Um dos objetivos da ocupação é incentivar a formação de público de todos os níveis socioculturais e valorizar manifestações populares brasileiras, além de instigar a reflexão sobre a influência da dança contemporânea na sociedade”, destaca Bruna Piccazio, diretora e idealizadora do projeto.
Em Inquietos há também um forte interesse estético sobre as manifestações populares brasileiras. “A dança regional não é considerada arte por não ter intencionalidade. No projeto apresentamos grupos que criam obras contemporâneas a partir dessas manifestações, trazendo, então, o assunto da intencionalidade. Mas valorizamos também a manifestação em si, trazendo-as para apresentar no projeto e mostrando como tais expressões, mesmo que criadas com a finalidade ritualística ou como brincadeira, ainda podem ser complexas e de muita beleza.” conta Bruna Piccazio, destacando que, entre os oficineiros e grupos, estão grandes pesquisadores das danças populares, como Letícia Doretto, da Cia Cênica Nau de Ícaros.
Além do olhar estético, Inquietos também se ocupa de questões socioculturais, já que as manifestações populares refletem as questões da identidade brasileira, a cultura e sua reverberação no universo artístico de modo geral. “Neste projeto o som é o objeto de transformação do movimento”, finaliza Bruna.
Ficha Técnica da Ocupação Inquietos
Direção Artística/Curadoria: Bruna Piccazio. Direção de Produção: José Renato F. Almeida. Produção: Larissa Versbick, Sheila Faermann, Victor Amaro, Cassia Sandoval e Gabriela Pas. Direção de Comunicação: Caio Zalc. Criação de Arte Gráfica: Paula Viana. Coordenação Técnica de Som: Glauber Coimbra. Coordenação Técnica de Luz: André Boll - Santa Luz.
Ficha Técnica de MACHO, de Lineker
Concepção e performance: Lineker. Orientação e provocação: Adriana Grechi. Trilha Sonora: Gustavo Lemos.Duração: 45 minutos. Classificação indicativa: 16 anos.
Serviço de de MACHO, de Lineker
MACHO. Dias 28 e 29/8, sexta-feira e sábado, às 20h. Ingressos: R$20 (inteira) e R$10 (meia). Endereço: Rua Alameda Nothmann, 1.058 (perto do Metrô Santa Cecília). Capacidade: 53 lugares. Classificação Indicativa: 16 anos. Duração: 45 minutos.
