O diretor Robson Phoenix, que tem a sua trajetória profissional ligada à obra de Caio Fernando Abreu (1948-1996), costurou fragmentos e personagens de seus contos, entre eles Dama da Noite e Os Sapatinhos Vermelhos, para construir o espetáculo Animais de Hábitos Noturnos. Sucesso de público e crítica, a montagem estreou em 2014 e retorna para mais uma curta temporada (a terceira!) em São Paulo, no dia 28 de agosto, no Espaço Parlapatões.
Animais de Hábitos Noturnos flagra quatro personagens, dois casais, numa noite qualquer, em lugar indeterminado de alguma metrópole, repassando suas histórias de: (des)amor, sexo, solidão, carência, desejo, saudade, falta, tentativas, erros, acertos, desilusões e um resto de esperança. Os dois casais podem ser vistos como o mesmo casal, em tempos distintos. Na dramaturgia do diretor, personagens dos livros Morangos mofadose Os dragões não conhecem o paraíso, em contos hipnóticos como Dama da noite, Os sapatinhos vermelhos, Sem Ana, blues e Além do ponto conversam no palco, dialogam entre si, pela primeira vez, e ficam tão próximos que se misturam.
O conto Diálogo, em que A e B discutem se estão juntos, aparece em 4 momentos da peça, em todas as combinações entre os atores (pelos dois casais homem-mulher, pelas duas mulheres e pelos dois homens), num “embaralhamento” de gênero que transcende a questão da sexualidade e de rótulos: o que se propõe ali é retratar a condição humana, amores, desejos e dores, indistintamente. Os textos se transpassam de tal forma que, como em um móbile, os personagens são quase a mesma pessoa contando sua história de épocas ou ângulos diferentes. Hoje em dia, como se diz “eu te amo”? Caio sugere algumas respostas, sinalizadas em Animais de Hábitos Noturnos.
Texto de apresentação da peça por Ferreira Gullar
CAIO E A REDENÇÃO PELA NOITE
Animais de hábitos noturnos, dramaturgia de Robson Phoenix sobre fragmentos e personagens de contos de Caio Fernando Abreu, é uma história de encontros e desencontros de pessoas que mal se conhecem, presas num “jogo”, um tabuleiro de xadrez onde são esquadrinhadas dores e delícias humanas, num embate entre claro e escuro que se passa em uma noite qualquer, até o amanhecer de outro dia. Tudo permeado pela sabedoria cortante e o humor sutil tão peculiar ao autor.
Sedutores, desiludidos, cáusticos, sórdidos, descrentes se misturam a outros que acreditam (ou desejam acreditar) em sentimento puro possível.
Se refletirmos sobre e além do texto – que é brilhante – o que se apreende é uma radiografia crua e tocante da situação existencial do ser humano, num momento crucial de sua condição – o amor, depois de dores, perdas e do perigo da desesperança.
A peça é o caminhar através dessas histórias comoventes que os personagens contam, passo a passo, para merecerem, ao fim de tudo, a possibilidade de resgate pelo afeto. A felicidade sempre redime todos os males – quando vem. E talvez venha, essa noite...
Ferreira Gullar
Serviço:
ANIMAIS DE HÁBITOS NOTURNOS
Texto e direção: Robson Phoenix
Baseado na obra de: Caio Fernando Abreu
Temporada: de 28 de agosto a 16 de outubro, sextas-feiras às 21h
Duração: 70 minutos
Classificação: 18 anos
Capacidade: 100 lugares
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) / R$ 20,00 (meia)
Espaço Parlapatões
Pça. Franklin Roosevelt, 158 - República - Centro
Telefone: 3258-4449.
Bilheteria: Terça a quinta das 16h as 21h; sexta e sábado das 16h a meia-noite, domingo 16h às 20h.
Formas de Pagamento: Dinheiro e todos os cartões de débito e crédito. Não aceita cheque.
Acesso para deficientes / conexão wi-fi
Pela Internet: www.ingressorapido.com.br / 4003.1212
Ficha técnica:
Texto, direção, figurino e direção de arte: Robson Phoenix
baseada na obra de Caio Fernando Abreu
texto de apresentação: Ferreira Gullar
com: André Fusko, Einat Falbel, Guilherme Gorski
e Wanessa Morgado
iluminação: Yuri Cumer
trilha sonora: Vinícius Bini
tango: Luciana Mayumi
operação de luz: Ricardo Bretones
sapatos: Fernando Pires
fotografia: Oscar Filho, Otávio Rotundo, Leekyung Kim
e Matheus Souza
direção de produção: Robson Phoenix
assistentes de produção: Wanessa Morgado e André Fusko
produção: Phoenix Ilimitada
Sobre o Diretor
Robson Phoenix tem sua trajetória profissional ligada à obra de Caio Fernando Abreu. Há 20 anos encenou Pela Noite, no Rio de Janeiro, com Caio vivo e abençoando a montagem, que foi sucesso de público e crítica, assim como a primeira temporada de Animais de Hábitos Noturnos obteve, no Espaço Parlapatões, de novembro de 2014 a fevereiro de 2015.
Em 1994, em sua primeira direção profissional, Robson ligou para Caio – que já estava doente e tinha voltado a morar em Porto Alegre, com a família – e pediu para encenar Pela Noite no Rio de Janeiro. Caio não só concordou de imediato, como ainda ficaram amigos e Robson ganhou do escritor gaúcho o testemunhal para o seu primeiro livro de poemas. Pela noite foi um sucesso, com temporada lotada por um ano.
Na época, Caio fez um único pedido: “não me respeite muito. Quando adaptam meus contos para teatro, as pessoas pecam pelo excesso de respeito a mim e à literatura. E aí fica chato”. Depois de assistir ao vídeo do espetáculo, disse que poucas vezes tinha visto uma transposição tão feliz e fluida para teatro de um conto seu.
Ferreira Gullar era um dos escritores favoritos de Caio. Em Pela Noite, no próprio texto da peça, um dos personagens cita Gullar. Robson, próximo do poeta e crítico de arte maranhense, pediu que Gullar escrevesse um texto sobre e para Caio. A ideia era visitá-lo em Porto Alegre sendo mensageiro deste encontro literário até então inédito. Não deu tempo, Caio faleceu antes. Agora, para Animais de Hábitos Noturnos, Gullar finalmente escreveu um texto belo e tocante de apresentação para a montagem.
Um pouco antes de sua morte, em 1996, com Caio no Rio, às voltas com o lançamento do que seria seu último livro em vida, Ovelhas Negras, Robson, que só falava com o autor gaúcho por telefone, cartas e postais, finalmente o conheceu ao vivo, na noite de autógrafos do livro, num encontro comovente e inesquecível para o diretor.
Sobre Caio Fernando Abreu
Considerado o “escritor da paixão” por Lygia Fagundes Telles, a obra de Caio Fernando Abreu tornou-se cultuada pelas novas gerações graças às inúmeras postagens de fragmentos de seus textos nas redes sociais.
Caio Fernando Loureiro de Abreu (Santiago do Boqueirão 1948 - Porto Alegre 1996). Contista, romancista, dramaturgo, jornalista.
Como Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu pertence ao grupo dos escritores que transcendem a literatura. É uma obra vasta, diga-se. Contista de mão cheia, alguns de seus livros mais importantes trazem alguns dos contos mais surpreendentes da língua portuguesa. Na sua literatura, cabe tudo – menos a caretice enrijecida de quem tem certezas asseguradas em defesas comportamentais. Caio quer o salto sem rede, o precipício, o perigo iminente. É esse o traço mais impactante de sua escritura: a sinceridade absoluta. Contista, cronista, novelista, transitava bem entre todos os gêneros, e não se prendia a nenhum, imprimindo excelência e humanidade em todos os parágrafos com sua assinatura.
Cru, cruel, generoso, excessivo, desafiava a neutralidade que regra boa parte do que se escreve no Brasil. Queria a página viva, a letra pulsante. Em seus inúmeros livros publicados, desde o início, acreditou na comunicação direta e imediata com o leitor. Não por acaso, tantos anos depois de sua morte, sua obra tem sido ainda mais valorizada do que antes. É impressionante a identificação das gerações posteriores a ele, e que, sem conhecê-lo vivo, trata de manter viva sua obra.
Caio escreveu compulsivamente, viveu compulsivamente e morreu desejando continuar a escrever. Poucos escritores brasileiros têm, em seu currículo, essa admiração entre seus leitores. A literatura de Caio Fernando Abreu revela o homem que ele foi, o cidadão atento ao seu mundo, imerso nas convulsões comportamentais que sacudiram o mundo. Obcecado pela qualidade estética, nunca deixou que sua palavra ficasse estéril. Nesses tempos politicamente corretos e cheios de medo e dúvida, a ousadia de sua palavra será farol a iluminar os breus daqueles que tiveram a felicidade de conhecê-lo ou de lê-lo. Cada livro de Caio é uma porta de entrada a epifanias verdadeiras.