A Cia. Teatro do Incêndio o espetáculo Pano de Boca, obra emblemática de Fauzi Arap (1938-2013) escrita 40 anos atrás. Com direção de Marcelo Marcus Fonseca a peça retrata a implosão de um grupo de teatro após seus integrantes ultrapassarem todos os limites entre arte e vida.
A peça – que tem participação especial de José Celso Martinez Corrêa, dando voz a texto da escritora russa Helena Blavatsky sobre o autoconhecimento e a libertação interior – inaugura oficialmente a nova sede da companhia na Rua 13 de Maio.
Pano de Boca, que teve sua última encenação em 1976, foi autorizada pelo autor, antes de sua morte, para montagem do diretor Marcelo Marcus Fonseca. A encenação também faz uma “releitura” do cenário e dos figurinos criados por Flávio Império (1935-1985), homenageando duas das maiores personalidades do teatro brasileiro, cuja parceria criativa é considerada inigualável nas artes cênicas. Fonseca explica que a montagem questiona o que é o teatro e qual a sua essência, tanto do ponto vista real quanto do ponto de vista do personagem. O debate gerado sobre a criação humana, a relação entre divino e terreno, trata da difícil tarefa de manter o equilíbrio em um mundo dominado por valores distorcidos. Em um plano não realista, a peça trabalha com a questão do conceito de criação e, mesmo em seu plano realista, ela depende do metafísico para ser entendida. O texto de Fauzi Arap quer aproximar o expectador da cabeça do autor no momento da criação. Ele, portanto, trata o teatro como alquimia: Pano de Boca é bem mais uma experiência do que simplesmente uma história.
O enredo
O texto é estruturado em três planos. No primeiro, dois personagens indefinidos, palhaços inacabados, reclamam vida dentro da cabeça de um autor em crise. No segundo, uma atriz (Gabriela Morato) dialoga com alguém que não se vê sobre os acontecimentos que motivaram a desintegração de um grupo. E no terceiro, o próprio grupo tenta reabrir o teatro abandonado em uma reunião convocada por alguém não identificado. A peça se funde em uma discussão sobre a criação, a exclusão e o sagrado no teatro. Os atores transitam por linguagens diferentes como o realismo, o circo e um quase surrealismo, diferenciando os três planos aparentemente distintos do texto, que fluem para um caminho único.
Os palhaços - Pagão (Marcelo Marcus Fonseca) e Segundo (Francisco da Silva) - são como duas forças lutando para existir como personagem, que discutem com o autor. “Eis a metáfora: a crise do autor na criação e a discussão com Deus, com o poder criativo. O autor, que nunca aparece em cena, tenta reconstruir algo, enquanto todos os personagens da peça estão diante de uma esfinge, que pode ser um mistério maior do teatro, da vida. Ela pode simbolizar o medo, que pode ser o mero medo de existir”. Argumenta o diretor. Os palhaços, representando o poder e também a fragilidade da criação, fazem o contraponto com realidade da arte na vida do ator. Palhaço canastrão, Pagão é matéria quase bruta, ele emana uma energia mais violenta, mostra-se com pouca sensibilidade, mas ganha contornos humanos na “vida”. Já o palhaço Segundo tem trejeitos miúdos, é sensível, e sua sensibilidade é atacada e violentada o tempo todo, colocando sua existência em risco. Ele propõe uma reflexão sobre como o personagem pode se afirmar, revidar nos embates para sobreviver, pois pode se perder completamente se for exposto ainda inacabado.
No plano da realidade, os integrantes do grupo de teatro têm um encontro marcado, que se emenda com o plano - real e espiritual - da mulher. Essa mulher conversa com alguém, que pode ser qualquer um. Seu espaço é indefinido, sua alma está em descoberta, sua narrativa conduz ao entendimento sem ser conclusiva: ela tenta compreender suas questões e, ao mesmo tempo, não consegue as respostas que procura.
No grupo de teatro houve afastamento; um desregramento que ultrapassou qualquer contorno pessoal. Os integrantes não conseguem se comunicar. Chamados para uma reunião no antigo espaço da companhia, eles se veem trancados e cercados por um clima de mistério. Sem fazer de conta que nada aconteceu eles são obrigados a encarar o passado para seguir em frente e descobrem que não há como negar o outro, pois a saída é de todos. Na metáfora de Fauzi Arap está dificuldade de reconstruir o que se quedou. Inclusive, um dos personagens, Pedro, foi inspirado na história verídica de Samuca, jovem ator do Grupo Oficina, nos anos 70, que enlouqueceu e parou de falar em consequência do uso abusivo das drogas. A recusa da palavra (recurso mais expressivo do ator) foi usada pelo autor de forma ambígua, também como alegoria da situação do teatro diante da censura política que existia na época.
Ficha técnica
Espetáculo: Pano de Boca
Texto: Fauzi Arap
Direção: Marcelo Marcus Fonseca
Cenário: Marcelo Marcus Fonseca (a partir da obra de Flávio império)
Figurinos e adereço: Gabriela Morato (a partir da obra de Flávio Império)
Trilha sonora original: Bisdré Santos
Iluminação: Rodrigo Alves
Espaço cênico: Antonio Rodrigues
Voz da Esfinge (áudio) - José Celso Martinez Correa
Produção: Gabriela Morato
Assitente de direção: Vinicius Árabe
Realização e produção: Cia. Teatro do Incêndio
Elenco/personagens: Gabriela Morato (magra), Marcelo Marcus Fonseca (Pagão), Daniel Ortega (Paulo), Josemir Kowalick (Zeca), Francisco da Silva (Segundo), Gustavo Oliveira (Marco), Rebeca Ristoff (Ana), Victor Dallmann (Pedro) e Ana Beatriz Pereira (Tássia)
Serviço
Estreia: 11 de julho. Sábado, às 20 horas
Teatro do Incêndio
Rua 13 de Maio, 53 – Bixiga/SP. Tel: (11) 2609-3730 / 2609-8561
Horários: sábados (20 horas), domingos (18 horas) e segunda (20 horas)
Temporada: de 11 de julho a 14 de setembro
Ingressos: R$ 5,00 (preço único). Bilheteria: 2h antes
Gênero: Drama. Duração: 120 min. Classificação: 16 anos
Capacidade: 75 lugares. Aceita dinheiro e cartão de débito.
Vendas online - https://www.facebook.com/teatrodoincendio