A norma criada em 2005 modernizou o sistema, permitindo que empresas renegociassem dívidas e evitando que entrem em processo de falência
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| Foto: Divulgação |
Criada em 9 de fevereiro de 2005, a Lei de Recuperação Empresarial e de Falências (LREF 11.101) representou uma ruptura com o antigo modelo falimentar brasileiro. Inspirada no Chapter 11 norte-americano, a lei substituiu o Decreto-Lei 7.661/45, baseado em punição e liquidação, e trouxe uma lógica voltada à preservação de empresas viáveis, manutenção de empregos e estímulo à atividade econômica.
Segundo dados da Serasa Experian, o ano de 2024 registrou um aumento de 61% no número de pedidos de recuperação judicial no Brasil, totalizando 2.273 casos. O crescimento reflete tanto o agravamento das condições econômicas quanto o uso mais estratégico da recuperação judicial como alternativa à falência.
O regime anterior, criado em 1945, já não atendia à complexidade das empresas modernas. “Era um sistema punitivo. O Decreto-Lei de 1945 focava na liquidação e praticamente não oferecia instrumentos para reorganizar empresas viáveis. Não havia ferramentas modernas de renegociação, a participação dos credores era limitada e não existia disciplina para entrada de capital novo”, afirma André Rocha, bacharel e MBA em Administração, mestre em Direito dos Negócios e sócio-fundador da Triunfae, consultoria especializada em reestruturação.
Benefícios da Lei de Recuperação Judicial
O principal avanço da LRF foi permitir que empresas em dificuldade apresentassem um plano de recuperação judicial negociado e aprovado pelos próprios credores. A lógica passou a ser de mercado: se os credores enxergam valor na continuidade da empresa, aprovam sua reestruturação; caso contrário, prevalece a falência.
A partir de 2005, tornou-se possível renegociar dívidas com prazos mais longos, aplicar descontos relevantes, revisar contratos, vender ativos e reestruturar operações de forma coordenada — evitando a corrida individual por bens e preservando o valor de continuidade (going concern value).
“Fortaleceu-se o papel dos credores e abriram-se novos caminhos de negociação, inclusive com o cram down. A reforma de 2020 ampliou ainda mais esse ambiente, introduzindo e organizando o financiamento DIP, flexibilizando a recuperação extrajudicial, permitindo planos apresentados pelos credores e modernizando a alienação de ativos por meio de UPIs sem sucessão”, explica André.
Lei ajudou a preservar empregos
Um dos impactos mais relevantes da legislação é a preservação de postos de trabalho. A falência abrupta de uma empresa gera desemprego imediato, esvaziamento econômico e perda de arrecadação.
“Sem dúvida, a lei contribuiu fortemente para manutenção da atividade econômica. Em crises como as de 2015–2016 e 2020–2021, a recuperação judicial evitou liquidações precipitadas que teriam consequências sociais graves. Centenas de milhares de empregos foram preservados em setores como indústria, comércio, serviços e agronegócio”, destaca o especialista.
Além do aspecto social, credores também tendem a recuperar mais quando a empresa continua em operação do que quando seus ativos são liquidados de forma atomizada.
Mesmo com os benefícios, as atualizações são necessárias
A reforma introduzida pela Lei nº 14.112/20 modernizou profundamente o sistema e ampliou a segurança jurídica, trazendo avanços como:
Apesar dos avanços, Rocha avalia que ainda há desafios importantes: “Precisamos evoluir na profissionalização da gestão em crise, no combate a fraudes, na integração com instrumentos fiscais e na modernização do regime aplicável ao produtor rural. São ajustes que podem elevar ainda mais a eficiência do sistema.”
Aumento nos pedidos de recuperação judicial
O salto de 61% nos pedidos em 2024 indica uma combinação de fatores: aumento do endividamento, queda de liquidez, juros elevados e maior compreensão das ferramentas de reestruturação disponíveis. Para especialistas, o avanço não deve ser visto apenas como sinal de crise, mas como amadurecimento do ecossistema brasileiro de insolvência. “A recuperação judicial deixou de ser tabu e passou a ser um instrumento legítimo de reorganização. Em muitos casos, é a alternativa mais responsável para preservar valor, empregos e a própria competitividade das empresas”, afirma Rocha.
Quem é André Rocha?
Especialista e estrategista em gestão de crise e reestruturação. Sócio-fundador da Triunfae, é bacharel e MBA em Administração, Mestre em Direito dos Negócios, e autor do livro O Combate à Fraude na Recuperação Judicial (Thomson Reuters). É vice-presidente do Instituto Brasileiro de Rastreamento de Ativos (IBRA), ex-coordenador acadêmico internacional do Instituto Brasileiro da Insolvência (IBAJUD), membro do Comitê do Agronegócio da Turnaround Management Association (TMA), da Insol International e do Instituto Iberoamericano de Derecho Concursal (IIDC). Idealizou e coordenou dois programas internacionais em insolvência e reestruturação com o apoio da UNCITRAL (United Nations Commission for International Trade Law). Atua como consultor do Banco Mundial, é professor em cursos de pós-graduação e palestrante em eventos nacionais e internacionais.