Com curadoria do pesquisador Heitor Augusto, o projeto disponibiliza 14 obras de realizadores negros gratuitamente no streaming a partir do dia 12 de setembro
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Com o olhar aguçado para as questões de gênero, raça e sexualidade, o curador, consultor e pesquisador Heitor Augusto apresenta a mostra “Rastros da Experimentação Negra Contemporânea”, a partir do dia 12 de setembro. O projeto reúne 14 obras, entre longas, médias e curtas-metragens, de realizadores negros, que se destacam pela sua experimentação estética e formal. As exibições são gratuitas e podem ser acessadas de todo o Brasil por meio da plataforma de streaming Spcine Play (spcineplay.com.br).
“A seleção apresentada traz uma forte diversidade de abordagens estéticas, cada obra escolhida tem uma identidade muito intensa”, explica Heitor Augusto. “Entretanto, sinto que um traço marcante nesse conjunto de filmes, bem como das obras que flertam ou com a experimentação como com o cinema experimental, é um desejo de pensar sobre o lugar do ‘eu’ no mundo”
O projeto curatorial divide a mostra em quatro eixos temáticos: “Movimento”, “Casa”, “Ritmo” e “Nossa Gente”. Cada um deles representa um conjunto de obras a partir de características próprias, mas que dialogam entre si. “Tanto o ‘Movimento’ quanto o ‘Ritmo’ propõem uma constelação de filmes a partir de uma característica da linguagem dos filmes: a preponderância do deslocamento e o andamento, o gingado dos filmes”, conta o curador. “Já ‘Casa’ e ‘Nossa Gente’ compartilham uma dimensão de intimidade, de conforto (e tensão) de estar na presença ‘dos nossos’ – família, membros de uma comunidade etc.”
A Mostra apresenta cinco produções internacionais. Na intersecção entre Etiópia, Reino Unido e Somália, “Except This Time Nothing Returns From the Ashes”, de Asmaa Jama e Gouled Ahmed, explora presenças fantasmagóricas em uma cidade, por meio de experimentações visuais. Coprodução da República Dominicana com os EUA, “The Ritual to Beauty”, de Maria Marrone e Shenny De Los Angeles, discute o que é a beleza por meio de três gerações de mulheres dominicanas. Dos Estados Unidos, outras três produções: “Sojourner”, de Cauleen Smith, indicado ao Tiger Awards do Festival de Roterdã, “Pilgrim”, da mesma cineasta, e “Tygers”, de Kevin Jerome Everson, que enfoca um treino de um time de futebol americano, e foi exibido no programa “Citizens” do Tate Britain (museu de arte em Millbank, Londres).
Ao todo, são nove produções brasileiras. Entre os destaques, está o longa-metragem “Sessão bruta”, de as talavistas e ela.ltda. O filme traz um grupo de pessoas trans experimentando as possibilidades com uma câmera portátil, em uma obra que o próprio fazer cinematográfico é tema de discussão. Já o curta-metragem “Por que não ensinaram as bixas pretas a amar”, de Juan Rodrigues, elabora, através da linguagem cinematográfica, um evento traumático na vida do diretor. Outra obra imperdível é o curta-metragem “Cicatriz tatuada”, de Eugênio Lima, Gabriela Miranda e Matheus Brant, que resgata a memória e a luta do povo negro, a partir do depoimento de uma anciã indígena sobre um antigo mercado de pessoas escravizadas.
Eixos Temáticos
O Eixo “Movimento” apresenta seis curta-metragens sobre movimentação, em suas diversas concepções, tanto na forma quanto no conteúdo, refletindo também sobre a liberdade e sobre as limitações de movimento impostas pelo racismo e pela LGBTfobia. Integram o eixo: “Só que desta vez nada retorna das cinzas” (“Except This Time Nothing Returns From the Ashes”, 2023, Reino Unido), de Asmaa Jama, Gouled Ahmed; “[in]Consciência” (2018, Brasil), de Jéferson; “Por que não ensinaram as bixas pretas a amar” (2023, Brasil), de Juan Rodrigues; “Pilgrim (2017, EUA) e “Sojourner” (2018, EUA), de Cauleen Smith; e “Tygers” (2014, EUA), de Kevin Jerome Everson.
Já o eixo “Casa” articula conceitos como morada, conforto e identidade, por meio de cinco curta-metragens: “Entenda o processo colonial em 5 minutos” (2019, Brasil), de Ana Julia Travia; “Cicatriz tatuada” (2022, Brasil), de Eugênio Lima, Gabriela Miranda e Matheus Brant; “Morde e assopra” (2020, Brasil), de Stanley Albano; “Rito de beleza” (“The Ritual to Beauty”, 2020, EUA/República Dominicana), de Maria Marrone e Shenny De Los Angeles; e “Olhos de erê” (2020, Brasil), de Luan Manzo.
O eixo “Ritmo”, por sua vez, apresenta obras que provocam reflexões a partir de elementos da montagem como a cadência, o andamento e o corte, despertando discussões sobre saúde mental e a experiência negra na diáspora. Nesta seleção estão os curta-metragens “As vezes que não estou lá” (2021, Brasil), de Dandara de Morais, e “Pontes sobre abismos” (2017, Brasil), de Aline Motta.
Por fim, o eixo “Nossa Gente” é representado pelo filme “Sessão Bruta”, de as talavistas e ela.ltda, que apresenta o estar em comunidade, enfocando vivências, estratégias e criação.
O projeto curatorial apresentado foi aprovado no edital de Seleção e Apoio de Propostas Curatoriais de Conteúdo Audiovisual para Spcine Play (2023), da Spcine.
Sobre o curador
Heitor Augusto atua como curador e programador, consultor e tradutor. Seu trabalho investiga o filme preto através de um olhar expansivo, com particular interesse no questionamento do binarismo representação positiva x negativa. Tem trabalhos na Alemanha, Canadá, Estados Unidos e França, além do Brasil. Entre seus principais projetos autorais em curadoria estão “América negra: conversas entre as negritudes latino-americanas” (2021) e “Cinema negro: capítulos de uma história fragmentada” (2018), a mais extensa retrospectiva a investigar a realização negra no Brasil.
Em 2025, é um dos curadores convidados de filmes da Bienal de São Paulo para o programa público “Steam of Images and Imaginaries”.
Além da atuação como curador e consultor criativo, Augusto teve uma longa carreira como crítico e professor, tendo escrito centenas de críticas e ministrado mais de 50 oficinas e cursos livres ao longo de 18 anos de atuação.
Sobre a Spcine Play
Criada em 2016, a Spcine Play é a primeira plataforma de streaming pública do Brasil e democratiza o acesso ao cinema. Com uma programação selecionada e gratuita, são oferecidos ao público, entre filmes e séries, títulos que podem ser acessados de qualquer lugar do Brasil através do site e aplicativo para mobile e Smart TVs. No catálogo estão disponíveis raridades de grandes nomes do cinema brasileiro e títulos das principais mostras e festivais de cinema de São Paulo. O acervo inclui produções que representam diferentes vozes e perspectivas, garantindo um espaço democrático.
Serviço:
Rastros da experimentação negra contemporânea
Curadoria: Heitor Augusto
A partir de 12 de setembro
Acesso: spcineplay.com.br
Exibições gratuitas
Programação completa:
As vezes que não estou lá (25’, 2021, Brasil). Dir.: Dandara de Morais
Rossana enxerga e vive o mundo através de um vidro borderline. Entre pliés, delírios dançantes e duros golpes de realidade, ela busca seu lugar no mundo.
Cicatriz tatuada (23’, 2022, Brasil). Dir.: Eugênio Lima, Gabriela Miranda e Matheus Brant
Em um local imaginário, um grupo de jovens negres encontra uma anciã indígena na porta de um antigo mercado de pessoas escravizadas. Diante das perguntas, ela resolve contar o que não foi dito sobre o local, sobre o antes e sobre o tempo antes do tempo.
Entenda o processo colonial em 5 minutos (5’, 2019, Brasil). Dir.: Ana Julia Travia
Construído como parte da estrutura dramatúrgica da peça Black Brecht: e se Brecht fosse negro?, apresentada pelo Coletivo Legítima Defesa em 2019, este filme/vídeo-intervenção faz uso da montagem, de conteúdos da internet e da potente performance sonora de Roberta Estrela D’Alva para desnudar o saque dos territórios do Sul Global pelos países do Norte Global.
Except This Time Nothing Returns From the Ashes (17’, 2023, Reino Unido). Dir.: Asmaa Jama, Gouled Ahmed
Só que dessa vez nada retorna das cinzas (Except this Time Nothing Returns from the Ashes) é um projeto de imagem em movimento que explora autorretrato, arquivamento e memória. O filme acompanha presenças fantasmagóricas e falhas que assombram uma cidade, cada figura representando aqueles que existem nas margens ou na periferia.
[in]Consciência (16’, 2018, Brasil). Dir.: Jéferson
Descrição do dia anterior ao da consciência de um negro no Rio de Janeiro.
Morde e assopra (10’, 2020, Brasil). Dir.: Stanley Albano
“Fui contemplada num programa de redução de danos da burguesia: um final de semana num casarão que meu avô já trabalhou! Depois de anos só cortando dobrado, a bicha preta quer virar artista de cinema. Será que eu estraguei seu filme?”
Olhos de erê (11’, 2020, Brasil). Dir.: Luan Manzo
Luan Manzo tem seis anos e é bisneto da matriarca Mametu Muiande do Quilombo Manzo N’gunzo Kaiango, um dos quilombos reconhecidos pela cidade de Belo Horizonte. Fundado em 1970 por um preto velho, pai Benedito, Manzo é palácio de rei, governado por uma rainha. Ali germinam sementes e crianças, num processo educativo – a afrobetização – que afirma a organização, o coletivo, a ancestralidade e a circularidade do povo negro. As crianças no quilombo crescem sabendo-se respeitadas, e por isso Luan percorre aqui o espaço sagrado, descrevendo-o a nós com segurança, conhecimento, rigor e frescor infantil. É ele quem, com um celular em mãos, propõe este filme.
Pilgrim (11’, 2018, EUA). Dir.: Cauleen Smith
Uma gravação de uma apresentação de piano de Alice Coltrane guia Cauleen Smith por três locais de criatividade e generosidade pelos Estados Unidos.
Pontes sobre Abismos (8’28, 2017, Brasil). Dir.: Aline Motta
Instigada pela revelação de um segredo de família, Aline partiu em uma jornada à procura de vestígios de seus antepassados. Ela viajou para áreas rurais no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, Portugal e Serra Leoa, pesquisando em arquivos públicos e privados e, ao mesmo tempo, criando uma contra-narrativa do que geralmente se conta sobre a forma como as famílias brasileiras foram formadas. Com base em suas experiências pessoais, o trabalho pretende discutir questões como o racismo, as formas usuais de representação, a noção de pertencimento e identidade em uma sociedade que ainda tenta um ajuste de contas com sua história violenta e as noções românticas de sua louvada miscigenação.
Por que não ensinaram as bixas pretas a amar (19’, 2023, Brasil). Dir.: Juan Rodrigues
Parte da trilogia de Juan Rodrigues, o ensaio visual Por que não ensinaram bixas pretas a amar? produz um fluxo de imagens acerca de identidade e corpo atravessadas pelas questões de sexualidade e racialidade como quem mergulha numa substância ainda em estudo.
Sessão bruta (84’, 2022, Brasil). Dir.: as talavistas, ela.ltda
Rodado a quente com uma câmera Mini-DV, em 2018, sem grandes preparativos, mas com muito suor e cerveja, Sessão bruta se apresenta como uma sucessão de prólogos de um filme sempre por fazer. O que as une é o desejo de pegar para si uma fatia do mundo.
Sojourner (22’, 2018, EUA). Dir.: Cauleen Smith
No Museu de Arte Outdoor Desert, no Parque Nacional de Joshua Tree, assistimos a uma utopia feminista radical, onde um grupo de mulheres recebe mensagens do passado e transmite suas potências para o futuro.
The Ritual to Beauty (14’, 2020, EUA/República Dominicana). Dir.: Maria Marrone, Shenny De Los Angeles
Inspirada na obra What Happens to Brown Girls Who Never Learn How to Love Themselves Brown?, da co-diretora Shenny de Los Angeles, Rito de beleza (The Ritual to Beauty) convida você a testemunhar o significado da beleza através de três gerações de mulheres dominicanas: a avó, a mãe e a filha. Há uma dor profunda de negação de sua negritude no processo de tomar consciência sobre o ritual de beleza que foi repassado a cada mulher. É apenas a partir da voz secreta na água que a filha é capaz de se libertar de uma dor que a acompanha desde que nasceu. Ao perdoar a si mesma e às mulheres que vieram antes dela, será que ela finalmente verá como é bela quando estiver livre?
Tygers (2’, 2014, EUA). Dir.: Kevin Jerome Everson
Em preto-e-branco, a câmera acompanha um inesperado balé: o treinamento dos jogadores do time de futebol americano de um colégio em Mansfield, Ohio, Estados Unidos, onde o diretor estudou.