Cultura - Teatro

"Serra Pelada" discute violência e masculinidade a partir do garimpo predatório do ouro

29 de Janeiro de 2025

Espetáculo do Tablado SP parte da pesquisa do autor sobre a história do extrativismo na região e de reflexões a partir da peça ‘Boca de Ouro’, de Nelson Rodrigues. Trabalho estreia no dia 13 de fevereiro no Teatro de Arena

Créditos: Mayra Azzi @may_azzi_

A questão das muitas formas de violência envolvidas na mineração e no garimpo predatório do ouro em solo amazônico é tema de Serra Pelada, com texto e direção do premiado Alexandre Dal Farra. O novo trabalho do coletivo Tablado SP estreia no dia 13 de fevereiro no Teatro de Arena, onde segue em cartaz até 23 de março. No elenco, estão Gilda Nomacce, Flow Kontouriotis, Monalisa Silva e Victor Salomão.

O espetáculo nasce de mais de dois anos de pesquisa do autor sobre a dimensão do garimpo e da mineração na construção da modernidade, das viagens feitas por ele e o cineasta Joaquim Castro para a região e de uma série de reflexões a partir da peça “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues. 

Nessas expedições, Dal Farra e Castro fizeram muitos registros em imagem e coletaram vários depoimentos de pessoas que participaram do auge do garimpo de ouro na região e ainda vivem lá. No entanto, essas imagens não aparecem no espetáculo. Ao menos, não diretamente.

“Eu tinha estudado bastante o assunto, mas eu quis ir pra lá entrar em contato com esse universo. A Serra Pelada não é apenas onde foi o maior garimpo a céu aberto do mundo, mas fica na mesma região onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia, o movimento de resistência contra a Ditadura Militar, e depois onde se deu o massacre de Eldorado dos Carajás, quando foram mortos 21 integrantes do MST. Então, conhecer essa região sempre me interessou muito”, revela o autor.

O garimpo na região da Serra Pelada teve início em 1979, quando foram encontradas as primeiras pepitas de ouro de aluvião. Em pouco tempo, milhares de garimpeiros migraram para o local. E, por conta da pressão de grandes empresas mineradoras como a Rio Doce Geologia e Mineração (DOCEGEO), em 1980, a Ditadura Militar enviou à região, como interventor o Major Sebastião Curió.

A principal realização anterior de Curió havia sido justamente a eliminação da Guerrilha do Araguaia, movimento liderado por Osvaldo Orlando da Costa, garimpeiro, comunista e militante do PC do B, que, ao que consta, sonhava em construir um estado paralelo e socialista financiado com o ouro extraído em outra região ao longo do rio Araguaia, que ficava a cerca de 100km da Serra Pelada.

No entanto, num momento de abertura política, a Serra Pelada tornou-se quase que uma espécie de estado paralelo, pertencente, não à esquerda, mas aos militares. As duas pontas se encontravam na montanha dourada que, ao longo de menos de dez anos, foi transformada, por meio da ação direta de milhares de mãos munidas de pás e enxadas, numa imensa cratera.

A dramaturgia

O espetáculo, segundo Dal Farra, é dividido em duas partes. “A primeira é um pouco essa tentativa de imaginar as pessoas vivendo naquele lugar. De pensar como era aquela região nessa época, desde o confronto entre os guerrilheiros do Araguaia e do Major Curió, até a criação do garimpo, o que significava estar ali no passado e o que eu consigo captar disso tudo hoje”, revela.

Neste momento, não há uma definição muito clara de personagens. O elenco, formado por pessoas bem diversas - um homem trans, um homem negro, uma mulher negra e uma mulher branca -, usa uma balaclava para esconder os seus rostos. 

“Isso se desdobra na segunda parte, que é uma ficcionalização dessa viagem de pesquisa, essas pessoas decidem não voltar e subir mais na direção dos garimpos atuais. É uma tentativa de se aproximar do que está rolando agora e do que vemos nas notícias atuais do garimpo no rio Xingu, em cidades que não são distantes da Serra Pelada”, acrescenta.

Nessa ficcionalização, em plena época de Natal, uma equipe de documentaristas - que poderiam facilmente estar fazendo uma peça de teatro - espera em um quarto de hotel o contato de garimpeiros. Sem resposta, eles vivem momentos de aflição, paranóia e medo já que os cinegrafistas sabem da conexão desses mineradores com o crime organizado. 

“É nesta parte que luzes fortes iluminam o Teatro de Arena quase como uma escavação. Os atores tiram suas balaclavas e mostram seus rostos,mas todos representam homens. Queremos trazer para a peça uma discussão sobre essa comunidade masculina que identificamos nas pesquisas sobre a Serra Pelada, e do quanto isso está restrito a universos como o do garimpo”, reflete o autor.

Além disso, ao longo de toda a obra, há um diálogo com a peça “Boca de Ouro”. Por exemplo, na primeira cena da peça de Nelson Rodrigues, o bicheiro pede a um dentista que extraia todos os seus dentes e introduza no local uma arcada dentária feita inteiramente de ouro. Essa dupla violência, contra o próprio corpo e envolvida no próprio garimpo predatório do ouro, remete à lógica extrativista ou neoextrativista que estrutura não só a sociedade brasileira, como a própria ordem mundial.

Além disso, Serra Pelada propõe uma reflexão sobre a violência implícita no trabalho dos personagens documentaristas que, por mais conscientes que sejam, também estão ali tentando garimpar na pesquisa, e em si mesmos, coisas que possam utilizar na sua obra.. Nisso, se aproximam de Caveirinha (da obra de Nelson Rodrigues), o repórter sensacionalista que entrevista a viúva de Boca de Ouro para traçar um perfil póstumo do bicheiro e, assim, constrói uma imagem contraditória dessa figura.

“Então, de certa forma, a peça do Nelson também fala  dessa tentativa de entender um ‘outro’. No nosso caso, tentamos entender esse garimpeiro - tanto o antigo quanto o atual -, mas nunca conseguiremos chegar totalmente a ele. Talvez possamos apenas cogitar que talvez ele não seja tão distante assim de nós como gostaríamos de imaginar”, explica o dramaturgo. 

Sobre Alexandre Dal Farra

Doutor em teatro pelo PPGAC da ECA/USP, Alexandre é dramaturgo, roteirista, diretor e escritor. Dirigiu o longa-metragem Trauma (2021) e o média-metragem Reconciliação (2020), ambos em parceria com a diretora portuguesa Patricia Portela em co-produção Portugal - Brasil com financiamento dos fundos DGArtes (Portugal), do Festival MIRADA SESCsp (Brasil), e do FITEI (Portugal).

Vem trabalhando como roteirista e co-roteirista em diversos projetos, dentre os quais o longa-metragem Retorno, com produção de Mariana Ricciardi da Andaluz produções e o longa-metragem Aurora, produção de Georgia Guerra-Peixe. Neste momento está em fase de finalização o seu curta-metragem Violência Divina, roteiro e direção seus.

Escreveu 27 peças para teatro, todas encenadas, e foi o diretor de 14 delas. Com estes trabalhos, foi vencedor e indicado diversas vezes aos principais prêmios brasileiros como prêmio Shell, APCA, Prêmio Governador do Estado de São Paulo, Prêmio Questão de Crítica, Aplauso Brasil entre outros. 

Em 2023 dirigiu, a convite do Teatro Bombon a obra Color Bars, encomenda do Festival Internacional de Buenos Aires 2023, com apoio do Itau Cultural e do festival Reside Recife. Dirigiu, no Theatro São Pedro, em São Paulo, ciclo de três óperas de Kurt Weil e Bertolt Brecht, nos anos 2021, 2022 e 2023, todas com direção musical de Ira Levin. Alguns de seus mais importantes textos são Mateus, 10 (2012), pelo qual recebeu o Prêmio Shell de Melhor autor, a Trilogia Abnegação, indicada a diversos prêmios, REFÚGIO (2018), texto e direção seus, indicado ao prêmio Shell para melhor texto e atuação, Tragédia e Perspectiva (2022), a versão argentina de Abnegação III – Restos (encenada em Buenos Aires), versão francesa de Abnegação 1 (temporada em Paris no Teatro Le Monfort), O Filho (Prêmio Governador do Estado de São Paulo), entre outros. Teve textos publicados, traduzidos e montados no exterior, como na Argentina, Portugal, Alemanha e França, e suas peças participaram de todos os importantes festivais do Brasil, assim como de alguns no exterior, tais quais o FIBA, FITEI, FIT, FILO, MITsp, TREMA Festival, Festival MIRADA, entre outros.

Sinopse

Quatro caras em uma viagem à Serra Pelada tentam entender o garimpo e acabam presos em um quarto de hotel.

Ficha Técnica

Direção e texto: Alexandre Dal Farra

Elenco: Gilda Nomacce, Flow Kontouriotis, Monalisa Silva, Victor Salomão.

Direção de movimento: Lucas Brandão

Figurino, cenário e direção de arte: João Marcos de Almeida

Luz: Lucas Brandão

Produção: Leo Devitto e Lud Picosque - Corpo Rastreado

@alexandre_dal_farra 

@nomaccegilda

@flowkountouriotis

@silvi_monalisa_

@viisalomao

@luca_s_brandao

@joao.marcos.almeida

@leodevitto

@ludpicosque 

@corporastreado

Serviço

Serra Pelada, com texto e direção de Alexandre Dal Farra

Temporada: 13 de fevereiro a 23 de março de 2025

Quinta a sábado às 20h e domingo às 19h

Não haverá sessão nos dias 22, 23, 27 e 28 de fevereiro e 1, 2, 8 e 9 de março. 

Sessões Extras

18, 19 de março às 15h

Teatro de Arena - Rua Dr. Teodoro Baima, 94, Vila Buarque

Ingressos: Gratuito

Bilheteria: 1 hora antes do espetáculo

Classificação: 14 anos

Duração: 90 minutos

Comentários
Assista ao vídeo