Por Dra. Aline Brandão
Dra. Aline Brandão, advogada especialista em INSS | Foto: Divulgação/ @dra.alinebrandao |
O conceito mais consensual de inclusão digital, termo amplamente proferido desde o bug do milênio, é que se trata de um esforço, envidado principalmente pelos órgãos governamentais, para garantir que todos possam participar, contribuir e se beneficiar do mundo digital.
Então podemos entender que temos aqui uma ideia, pura e simplesmente abstrata, já que a inclusão digital em si depende de um esforço para garantir, e não de uma garantia real.
Porém, mesmo transcorrido mais de duas décadas após o tão aguardado bug (que não ocorreu), esse esforço continua necessário para que de fato haja inclusão de grande parte da população que nem sequer tem acesso a celular.
Sim, numa realidade paralela para muitos de nós, porém de forma alguma remota, existe uma legião de pessoas que não são proprietários de um phone, quem dirá smart. Banda larga é ininteligível para os desprovidos do básico à sobrevivência.
Neste diapasão, onde no ano passado, 27,5% das pessoas do Brasil estavam abaixo da linha de pobreza, conforme dados do IJSN, há de se convir que existe um contrassenso quando o único canal para solicitar um benefício assistencial ou previdenciário dá-se unicamente pela via virtual.
Sim, desde 2017 o INSS tem virtualizado sua forma de requerimento. No entanto, à época, o pedido era feito diretamente nas agências, que protocolavam o pedido, digitalizavam (e nesta fase houve um agigantado investimento em equipamentos de ponta) e dali o processo, operacionalizado inicialmente por um servidor, seguia de forma interna para análise, cujas comunicações oficiais eram remetidas por via postal.
Durante a pandemia, houve uma alteração neste fluxo, e dali em diante (sim, até a presente) também o requerimento passou a ser obrigatoriamente iniciado pelo cidadão diretamente no site ou aplicativo do governo, e as comunicações da mesma forma são feitas por e-mail ou pelo app.
Ocorre que mesmo após a despedida da pandemia não existe outra opção de requerer um benefício junto a maior Autarquia federal. O telefone disponibilizado (135) pode até iniciar o procedimento, gerando um protocolo, mas que descamba para as ondas da internet numa exigência posterior para envio dos documentos de forma on-line.
As Agências da Previdência Social passaram a ter um cunho quase que decorativo, que só não configura sua total inutilidade junto a população pois ainda servem de reduto para realização das perícias médicas e avaliações sociais. Não atendem mais espontaneamente o cidadão que as procura, sob orientação da própria Administração Central.
Ademais, diga-se de passagem, nem mesmo os peritos médicos pertencem a classe previdenciária, já que não são hierarquicamente subordinados ao INSS, carecendo o Instituto de autonomia na gestão e condução da organização (ou falta dela) nas perícias das pessoas em situação de debilidade.
Este cenário distancia o usuário ao acesso real a seus direitos, e o aproxima muitas vezes de pessoas mal intencionadas, buscando atravessar uma ponte que há muito foi derrubada.
Os benefícios assistências garantidos pela Lei Orgânica da Assistência Social também são operacionalizados pelo INSS. Tais benefícios possuem como uma das regras básicas a exigência de percepção mensal igual ou inferior a 1/4 de salário-mínimo.
Óbvio que solicitações, requerimentos e protocolos efetuados pela internet são uma conveniência e auxiliam na agilidade dos pedidos. No entanto, no cenário atual, considerando que apenas 30% da população brasileira possui o ensino médio completo, e destes somente metade alcançam o êxito antes dos 25 anos de idade, será que imputar um requerimento unicamente virtual é a forma mais eficiente e justa para a sociedade como um todo?
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