Legislação tem interpretações distintas para cada uma destas atividades: enquanto os jogos de azar são enquadrados como contravenções penais, as apostas esportivas são consideradas legais pela lei brasileira
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As apostas esportivas não podem ser consideradas jogos de azar, ao menos aos olhos da legislação brasileira. Enquanto os considerados de azar – grupo no qual se incluem o jogo do bicho, cassinos (físicos ou online) e entretenimento digital, caso do “jogo do aviãozinho”, que ficou mais conhecido no final de 2023 – são considerados contravenções penais (em razão da previsão no Decreto-Lei nº 3.688, de 1941), as apostas esportivas são legalizadas no Brasil, em razão da edição da Lei nº 13.756/2018, que regularizou esta atividade no país.
Porém, apesar da previsão na lei de 2018, a exploração das apostas esportivas foi devidamente regulamentada em dezembro de 2023. No último dia 31 de dezembro, o Projeto de Lei nº 3.626/23, que trata do funcionamento das apostas esportivas de quota fixa, as chamadas bets, foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em contrapartida, os denominados jogos de azar – em razão da proibição expressa do Decreto-Lei nº 3.688/1941 – não são legalizados, apesar de haver forte interesse por parte de alguns setores. Em 2022, a Câmara Federal aprovou o PL 442/91, que trata da regularização dos jogos de azar e de apostas em território nacional. O PL, no entanto, ainda não foi apreciado pelo Senado e, portanto, não vigora no país.
“No caso das apostas, existia um claro interesse do governo na sua regulamentação em razão do potencial aumento de arrecadação, sobretudo em razão da previsão de pagamento de outorgas elevadas, no patamar de milhões de reais, para exploração da atividade em ambiente devidamente regulado”, afirma o advogado Thiago Priess Valiati, doutor em direito administrativo pela Universidade de São Paulo (USP), e sócio e fundador do escritório Razuk Barreto Valiati, atuante em Direito Regulatório e no setor de apostas. No caso das apostas esportivas, a avaliação do Ministério da Fazenda é de recolher cerca de R$ 2 bilhões somente com os sites de apostas esportivas em 2024.
Diferença entre apostas esportivas e jogos de azar
Além disso, existe uma distinção entre as apostas esportivas e os jogos de azar. No primeiro caso, o interessado é capaz de acompanhar o resultado para saber se ganhou ou perdeu: por exemplo, se o time em que acreditou e apostou se sagrou vencedor. Ademais, no momento de realização da aposta, é possível saber qual será o lucro obtido em caso de resultado favorável. São as chamadas apostas de quota fixa, previstas no artigo 29 da Lei nº 13.756/2018.
Em contrapartida, o “jogo do aviãozinho” e similares, por exemplo, dependem de um algoritmo que é desconhecido pelos apostadores. Em jogos de azar, via de regra, não existe como verificar a forma como se chegou a um resultado, ao contrário das apostas esportivas, no qual é possível checar qual foi o desfecho.
No “jogo do aviãozinho” ou mesmo em uma roleta de um cassino físico ou digital, torna-se impossível determinar se os proprietários do local ou os desenvolvedores do algoritmo fizeram mudanças para serem favorecidos. Em muitos casos, o apostador não consegue nem sequer determinar qual será a valorização que terá do dinheiro despendido.
E onde se enquadram as loterias?
Regularizadas em 1967, as loterias são consideradas um monopólio do Estado brasileiro, conforme o artigo 1º do Decreto-Lei nº 204/1967. “A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei”, prevê o texto do Decreto. A partir de um julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, por sua vez, os Estados também foram autorizados a explorar as respectivas loterias em âmbito estadual.
“Uma das especificidades da loteria é o fato da redistribuição de seus lucros se destinar a outras finalidades sociais, como a educação, a saúde e a segurança, por exemplo, em razão da exploração da atividade ser realizada pelo Estado. A lei estabelece ‘aplicações de caráter social e de assistência médica’. Além disso, as apostas de quota fixa, legalizadas com a lei de 2018, foram criadas como uma modalidade lotérica, a partir do artigo 29 desta lei, e também podem ser exploradas pelas loterias estaduais. Em alguns Estados, aliás, como o Paraná, essa regulamentação já se encontra em um estágio mais avançado do que o verificado no âmbito federal. A verdade é que a União demorou muito para regulamentar as apostas esportivas no país”, ressalta e defende Thiago Valiati.
Thiago Valiati, doutor em direito administrativo | Foto: Divulgação |
Recentemente, o Estado do Paraná passou a oferecer e operar uma loteria própria, a Lottopar, caracterizada como uma autarquia estadual. À Lottopar, compete a exploração, administração e fiscalização das loterias e apostas no âmbito do Paraná. “A Lei 20.945/2021, que criou a Lottopar, prevê que a autarquia estadual pode executar diretamente ou delegar, mediante permissão ou concessão as atividades de loterias e apostas”, destaca Valiati. Segundo o especialista, a exploração das apostas em ambiente regulado permite o credenciamento de empresas e que poderão explorar essa modalidade de forma organizada pelo Estado. “A concessão, via credenciamento de múltiplos concessionários em ambiente de livre concorrência, será por um período de cinco anos, prorrogáveis por igual período”, completa.