Promovido pelo CPF Sesc, seminário Como Renasce a Democracia acontece dias 25 e 26 de julho no teatro do Sesc Pompeia
Em 1985, o editor Caio Graco mandou para as livrarias uma obra que entendia urgente – “Como renascem as democracias”. Organizado por três intelectuais reconhecidos – Alain Rouquié, Bolivar Lamounier, Jorge Schvarzer – o livro foi produzido em prazo curto, reunia ensaios escritos por pesquisadores brasileiros, argentinos e franceses e tinha duplo propósito: compreender os processos de redemocratização que ocorriam no Brasil e na Argentina durante a primeira década de 1980 e situar esses processos em um contexto histórico e conceitual mais amplo e que não precisava necessariamente estar restrito ao continente latino-americano.
A editora Brasiliense estava comprometida com um programa inovador: fornecer ferramentas do conhecimento voltadas para a formação política e literária da sociedade, em especial, para um público jovem, que cresceu durante a ditadura militar. E seu editor tinha pressa. Graco pretendia publicar livros que popularizassem o conhecimento que já existia sobre a democracia, decerto. Mas ambicionava também editar obras capazes de desbastar o terreno, e restituir complexidade às noções de democracia, direitos, cidadania, igualdade. Publicar “Como renascem as democracias” era uma maneira de examinar o tema pelo maior número de ângulos possíveis.
Graco só não podia prever o futuro. Descobrimos atônitos que a democracia nunca está garantida de uma vez por todas – se suas defesas forem baixadas, o caminho estará desimpedido para o retorno às formas políticas da tirania. O sentimento de pertencimento social se esgarçou muito depressa entre nós e uma parte cada vez maior da população abandonou de vez o espaço público, isto é, a variedade de lugares e ambientes políticos compartilhados entre pessoas que nutrem diferenças consideráveis, mas estão dispostas a ver as coisas do ponto de vista uns dos outros – aceitam debate, esclarecimento recíproco, e trocam informações mútuas sobre as matérias de interesse comuns.
Sem um espaço que seja público e indiferente a qualquer assunto que deva ser repartido coletivamente, resta a solidão; não há nada que ligue essas pessoas num agregado de interesses partilhados e faça delas uma comunidade. É apenas um aglomerado de homens e mulheres vorazes, violentos e egoístas.
O que protege a democracia é uma coisa só: nossa capacidade de mobilizar as pessoas em sua defesa. “E quem não pode ser mobilizado pela liberdade, necessariamente não pode ser mobilizado”, avisava Hannah Arendt, ainda na década de 1950. O tempo presente é o nosso grande desafio projetivo. Conhecer onde estão fincadas em nosso passado as raízes da liberdade e da democracia é parte de um legado; atua contra a solidão e a indiferença e esboça para o presente alguns dos temas que devem compor e interpelar nossa agenda democrática – até mesmo para que possamos avaliar melhor as dificuldades na construção dessa agenda.
Então, precisamos enfrentar os efeitos perniciosos para a democracia desse tempo de destruição. E juntos, cabe igualmente desenvolver uma reflexão sobre os desafios do presente e retomar hoje a pergunta do editor Caio Graco que permite imaginar para o Brasil uma agenda de futuro:
Como renasce uma democracia? Com curadoria e mediação de Heloisa Murgel Starling, o Seminário Como Renasce a Democracia, promovido pelo Sesc São Paulo reúne intelectuais, pensadores e artistas para discutir o renascimento da democracia.
Programação
Dia 25 de julho (terça-feira)
14h. Abertura – Danilo Santos de Miranda
14h30. Mesa 1. A Democracia é o sonho do outro
Conceito: Dar significado à diferença pode abrir espaço a uma forma de sociabilidade política que seja capaz de descentrar as bases culturais que compõem a consistência de nosso conceito de democracia – para acolhermos e sermos acolhidos por outros mundos. É por meio do sonho, diz Davi Kopenawa que os Yanomami fazem política com os demais seres do cosmo. O tempo do sonho e aprender a sonhar com um modo de ser diferente do nosso abre acesso ao pensamento, a outros modos de habitar e criar comunidades políticas.
Participantes:
Eliane Potiguara (GRUMIN/Grupo Mulheres Indígenas) - “A voz pública das mulheres indígenas brilha no cenário da História”.
Márcia Kambeba (UEPA) - “Literatura, território, ancestralidade”.
Apresentação e mediação: Heloisa Starling
16h30. Mesa 2. Onde está a Democracia?
A democracia nunca chega de uma vez por todas – seu horizonte de expectativas se desloca constantemente, até mesmo como reação ao que foi materializado num determinado momento da nossa vida pública. E é preciso considerar outro aspecto importante. A democracia está inscrita na história – não é um fato político consumado. Por conta disso, não existe democracia satisfeita consigo mesmo, escreveu Sérgio Abranches; ela é um empreendimento contínuo. Isso quer dizer que está sempre em movimento, é capaz de se refugiar nas bordas de uma sociedade que resiste à inclusão democrática – política e socialmente. Quando não pode agir, a democracia inventa mudanças; em seus momentos de euforia, não se julga plena ou completa.
Além disso, a democracia nunca está garantida de uma vez por todas – e o futuro também depende das perguntas que se pode fazer para construir uma agenda do presente.
Participantes:
Eugenio Bucci (USP) - “Existe Democracia sem verdade factual?”.
Roberto Andrés (UFMG) - “A Democracia como forma de vida que se faz no cotidiano das cidades”.
Tatiana Roque (UFRJ; Secretária de Ciência e Tecnologia do município do Rio de Janeiro) - “O novo pacto verde: cuidar do futuro, agir no presente”.
Natália Alves (UFRJ) - “Racialidade e gênero como categorias teórico-críticas na disputa pelo direito a cidade”.
Apresentação e mediação: Heloisa Starling
19h. Mesa 3. Afiando o diálogo: cultura e imaginação democrática
Conceito: Foi na imaginação cultural que o Brasil se reconheceu e, de certo modo, se estabilizou enquanto uma comunidade imaginada. A canção popular e a literatura são instancias fundamentais da comunidade imaginada: dão voz a idéias, valores, sentimentos acerca da condição de ser brasileiro. As nações são imaginadas. E se distinguem pelo estilo em que são imaginadas. Mas não é fácil imaginar. Não se imagina no vazio e com base em nada – vai ser preciso conhecer o Brasil e se aproximar dos parâmetros democratizantes efetivamente integradores produzidos pela cultura.
Participantes:
Ronaldo Fraga (estilista) - “A Democracia é uma festa de cores: moda, roupa, design”.
Schneider Carpeggiani (Suplemento Pernambuco) - “Democracia e imaginação literária”.
Patricia Palumbo (Jornalista) - "Música e democracia - O pulso em forma de canção".
Daniel Douek (Sesc SP) - "Encontro com o passado no país do futuro".
Apresentação e mediação: Heloisa Starling
20h30. Performance poética: Luna Vitrolira e as glosadoras do sertão do Pajeú
Dia 26 de julho (quarta-feira)
14h30. Mesa 4. Para construir uma cultura política democrática.
Conceito: Democracia não é só um sistema baseado em instituições: eleições, voto, partidos, agências de governo. É igualmente um modo de vida e uma forma de sociedade – precisa se tornar um “hábito do coração”, para usar a definição de Tocqueville. Mas em uma sociedade de raiz escravista como a brasileira, historicamente violenta e autoritária, ainda hoje hierarquizada e desigual, o caminho para a construção democrática não tem sido apenas volátil. Ele é tortuoso, marcado por linhas quebradas e por reentrâncias, feito com pontos altos de otimismo democrático e baixos de inversão antidemocrática. Persiste, no dia a dia do brasileiro, o uso naturalizado de um punhado de práticas perversas ao exercício da democracia: o entendimento de direitos como privilégios; as incivilidades cotidianas; a porosidade entre o legal e o ilegal. Falta-nos desenvolver uma cultura democrática. E falta-nos a prática cotidiana da cultura democrática – como construir parâmetros democratizantes efetivamente democratizadores. Por exemplo: encontros desierarquizados, a convivência plural e mais autônoma, o sentimento de pertencimento a um tipo de comunidade de natureza política através da prática de determinados valores como tolerância, confiança social, pluralismo, compaixão, igualdade.
Participantes:
Miguel Lago (Universidade Columbia; Sciences Po Paris) - “Aprimorar os modelos de participação para desenvolver uma cultura democrática”.
Eliana Souza Silva (Redes da Maré) -“Redes comunitárias, mobilização democrática e efetivação de direitos”.
Fernando José de Almeida (PUC São Paulo) -“Será a Democracia ensinável?”.
Rosiska Darcy de Oliveira (ABL) - “Democracia: a fala pública das mulheres”.
18h. Palestra: Cármen Lúcia Rocha Antunes (STF) - “Democracia: mais que um regime político, é um modo de vida e uma conquista permanente”.
Apresentação e mediação: Heloisa Starling
20h. Performance poética: Ricardo Aleixo e Alvimar Liberato Nunes - “Revide Verso - canções e poemas-panfletos”.