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Agronegócio precisa de mudanças estruturais para reduzir a emissão de gases de efeito estufa

15 de Fevereiro de 2022

Políticas públicas mais abrangentes, assistência técnica especializada e, principalmente, mudança na cultura de parte dos produtores rurais são os caminhos para o fortalecimento do agro de baixo carbono.

Mudanças de uso do solo, causadas principalmente por atividades rurais de forma direta e indireta, são responsáveis por mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil

Um dos setores econômicos mais sensíveis às mudanças climáticas, a agropecuária é também a principal responsável pela emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera no Brasil, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima. O mais recente estudo sobre as emissões brasileiras, divulgado em outubro de 2021, mostrou que a atividade rural foi responsável, de forma direta e indireta, por 73% das emissões de GEE no território brasileiro, sendo 46% dessa geração por substâncias nocivas associadas ao desmatamento de áreas naturais. Mesmo com a pandemia, o Brasil aumentou em 9,5% a emissão de gases de efeito estufa em 2020, enquanto no mundo todo houve uma queda de quase 7%.

É consenso entre cientistas e parte dos líderes do agronegócio que o setor precisa reduzir suas emissões imediatamente. O agrônomo Carlos Hugo Rocha, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, ressalta que o modelo voltado ao aumento da produtividade centrado na venda de commodities, que busca a expansão da fronteira agrícola, não pode mais ser socialmente permitido. Para ele, o ponto mais crítico é a destruição da Amazônia, que já está interferindo no regime de chuvas no Brasil e em boa parte da América do Sul.

“As florestas são responsáveis por regular o clima, esfriar o planeta e produzir chuva, entre outros benefícios. A evapotranspiração da floresta na Amazônia alimenta massas de ar quente e úmido, formando rios voadores fundamentais para as precipitações em boa parte do continente. Se o desmatamento na região não for interrompido imediatamente teremos extremos de secas mais severas e de temperaturas, causando prejuízos incalculáveis, inclusive para o próprio agronegócio. É preciso agir agora", explica Rocha.

De acordo com o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), publicado em agosto passado, o agronegócio brasileiro deverá sofrer cada vez mais com eventos extremos, provocando grandes estiagens no Nordeste e Centro-Oeste, enchentes no Sudeste e fortes ondas de frio no Centro-Sul do País. No Cerrado, um dos biomas com maior produtividade para o agro atualmente, a temperatura média pode subir até cinco graus Celsius até o final do século, o que inviabilizaria a agricultura em larga escala.

Além do desmatamento e dos incêndios, outro ponto crítico relacionados à atividade rural é a contribuição para a emissão de GEE do rebanho bovino, responsável por 28% da emissões do Brasil, especialmente pela fermentação entérica que libera o gás metano na atmosfera. O uso abundante de produtos químicos, especialmente fertilizantes nitrogenados; os combustíveis fósseis usados no transporte dos produtos, e a compactação e degradação do solo, que reduzem a infiltração da água na terra, são outros fatores que preocupam. “Tudo isso consolidou-se com muito incentivo público, pois, desde a década de 1970 o Brasil criou um modelo de agropecuária extensiva, com incentivos fiscais, crédito subsidiado e assistência técnica buscando aumento da rentabilidade do negócio agrícola, acima de tudo. Infelizmente, essa lógica levou a um conflito entre produção e conservação, que não faz mais sentido no século XXI”, salienta Rocha.

“É um problema muito sério, pois o Brasil depende da produção agropecuária. Entretanto, é importante ressaltar que é possível produzir de outra forma, reduzindo e, muito, a emissão de gases de efeito estufa e contribuindo para minimizar os impactos inevitáveis das mudanças do clima. O setor agropecuário pode ser um grande aliado na mitigação das emissões e no aumento da resiliência do setor e de toda a sociedade aos efeitos das mudanças climáticas”, comenta o engenheiro florestal André Ferretti, gerente sênior de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e também membro da RECN.

Ferretti lembra que a agricultura de baixo carbono já é realidade – especialmente em localidades onde predomina o modelo da agricultura familiar –, mas o modelo deveria ser aplicado em grande escala. Para isso, no entanto, políticas públicas inteligentes deveriam induzir uma mudança pragmática e cultural no setor. “O Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC) é exemplo de uma boa ideia que ainda não decolou. Mesmo após uma década de implantação, representa menos de 2% do Plano Safra, a política pública de financiamento e fomento da agropecuária nacional”, comenta.

Composto por seis programas do Governo Federal, o Plano ABC contempla recuperação de pastagens degradadas; integração lavoura-pecuária-floresta e sistemas agroflorestais; plantio direto; fixação biológica de nitrogênio, florestas plantadas; tratamento de dejetos animais; e adaptação às mudanças climáticas.

Ferretti destaca ainda que, além de contribuir para a mitigação das mudanças do clima, a produção sustentável no campo aliada à conservação da natureza gera outros benefícios. “Considerar a natureza como parte da solução traz melhor qualidade de vida para a comunidade e gera economia para os produtores rurais. Ao manter florestas em pé; cuidar melhor do solo; proteger as nascentes dos rios; integrar lavoura, pecuária e florestas; recuperar pastagens degradadas, entre outras boas práticas, os agricultores e pecuaristas terão menos gastos com irrigação, precisarão de menos fertilizantes e poderão contribuir para o equilíbrio dos microclimas, reduzindo o impacto de eventos climáticos extremos, como as altas temperaturas, secas e grandes tempestades que devem causar mais dificuldades nos próximos anos”, explica o gerente da Fundação Grupo Boticário.

O professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa defende soluções agroecológicas para a produção de alimentos. “Quanto mais avançada for a nossa sociedade, mais devemos impulsionar a agricultura orgânica, responsável e sustentável, comprometida com a redução da emissão de GEE, com a conservação da biodiversidade, proteção de nascentes de água e dos rios, e distribuição mais justa dos recursos econômicos. Uma produção sustentável no campo, que considere a natureza como vetor estratégico, contempla isso”, salienta.

Rocha lembra que a mudança do clima do planeta, ocorrida há aproximadamente 10 mil anos, proporcionou o desenvolvimento da agricultura, lançando as bases para toda a estrutura cultural e da sociedade que conhecemos hoje. Agora, em um período em que a mudança climática novamente pode provocar grandes alterações nas paisagens da Terra, desta vez a partir das ações humanas, a produção agrícola e a pecuária devem contribuir para a adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global ou então contribuirá para acelerar o processo de degradação e que vai trazer graves consequências para a biodiversidade e a própria humanidade. “É possível corrigir o rumo, mas estamos caminhando rapidamente em uma direção muito perigosa”, conclui Rocha.

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