Quando um paciente está internado em uma instituição hospitalar, sob os cuidados de um médico, é prerrogativa do médico decidir acerca do melhor momento para concessão (ou não) da alta hospitalar, pois é o médico que detém os conhecimentos técnicos e pode prever as consequências de sua atitude, dentro das circunstâncias normais esperadas.
Porém, há casos em que o próprio paciente ou seus responsáveis, por diversos motivos, solicita a alta hospitalar, a chamada alta a pedido. Para a solução deste problema, é fundamental distinguir a alta a pedido que não envolve iminente risco à vida, daquela em sentido contrário; somente através de avaliação e parecer técnico poderá haver tal distinção.
No caso da alta a pedido, sem colocar em risco a vida do paciente, nem o médico responsável nem o hospital podem ferir o princípio da autonomia do mesmo, cerceando seu direito de “ir e vir”. A instituição hospitalar e o médico devem, de maneira clara, documentar fartamente a decisão do paciente, quanto a sair do hospital.
Entretanto, em caso de iminente perigo à vida do paciente, o médico pode se recusar a conceder a alta a pedido. Essa é uma exceção prevista no Código de Ética Médica (Art. 56) para que o médico possa intervir contrariamente à vontade do paciente, dando suporte legal para tal atuação, em situações de “iminente risco à vida”. Portanto, é a gravidade ou a iminência de perigo à vida que deve condicionar a aceitação ou recusa da alta a pedido, devendo dar continuidade ao tratamento dispensado, pois o médico está atuando no melhor interesse do paciente.
Vale a pena ressaltar que, se a saúde do paciente agravar-se em consequência da alta a pedido, o profissional que autorizou poderá ser responsabilizado pela prática de seu ato, assim como o hospital, pois “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, no caso por omissão de socorro, imprudência ou negligência. Existe também a responsabilidade penal, na modalidade culposa para os crimes de homicídio e lesões corporais, quando praticado através de imprudência, negligência ou imperícia.
Em caso de alta a pedido de crianças e adolescentes, o “Termo de Responsabilidade” deverá ser assinado pelos responsáveis. A aceitação ou não do pedido de alta, pelo médico, também fica condicionada à gravidade ou à iminência de perigo à vida da criança ou adolescente. Diante do impasse entre a solicitação de alta pelos responsáveis e a recusa do profissional em aceitá-la, com o atual Estatuto da Criança e do Adolescente, a Vara da Infância e da Juventude deverá ser acionada para a resolução do conflito.
O paciente que, devidamente esclarecido e sem iminente risco à vida, assume o não cumprimento da determinação médica de permanecer sob tratamento intra-hospitalar, desobriga o profissional de dar continuidade ao tratamento, bem como de emitir receita. Tal fato deve ficar expressamente documentado no prontuário médico.
Se, após o médico informar de maneira ampla, completa, acessível e de forma isenta, ao próprio paciente e/ou aos seus responsáveis, sobre as vantagens e desvantagens da alta solicitada, esses insistirem no pedido de alta e o médico aceita-lo, deve-se redigir o “Termo de Responsabilidade” assinado pelo paciente ou por seus responsáveis. A assinatura apenas explicita o direito do paciente quanto à decisão sobre sua saúde e bem estar.
O “Termo de Responsabilidade” tem a finalidade de documentar os riscos, vantagens e desvantagens foram devidamente explicados ao próprio paciente e/ou aos seus responsáveis.
Outra informação importante é que, mesmo tendo solicitado e recebido alta a pedido, o paciente ou seus familiares poderão solicitar nova internação, sendo esta seu direito, devendo o hospital atender a esta solicitação.
Vale ressaltar que em caso de fuga do paciente nos deparamos com duas situações diferentes. Uma delas se refere a pacientes com incapacidade de discernimento e aos adolescentes, nessa casos a responsabilidade em relação ao paciente será transferido à pessoa ou ao estabelecimento a quem o mesmo foi confinado. Logo, caracteriza a fuga do paciente, é cristalina a culpa in vigilando da instituição (culpa existente em função do cuidado que deveria ter sido dedicado àquele que lá estava internado). Em decorrência, nasce o dever de indenizar em função dos danos causados, a não ser que seja comprovado que não houve negligência.
Nos outros casos, onde a capacidade de entendimento da situação (internação hospitalar) está preservada, a evasão do paciente dever ser explicitado no prontuário médico e pode ser feito boletim de ocorrência para preservação de direito do médico e da instituição.
A alta-hospitalar com garantia de leito é outra forma de alta hospitalar que tem sido utilizada como procedimento em alguns hospitais, ressaltando-se, porém, a responsabilidade do médico que assiste o paciente em concedê-lo ou não. Nesta situação, o paciente é liberado para o domicílio, usualmente nos finais de semana, retornando dois ou três dias após, tendo garantido o seu leito e sem prejuízo para o tratamento previsto. A responsabilidade do médico para com o paciente se limita ao período em que este estiver no ambiente hospitalar, desde a internação até a alta.
Como dito anteriormente, a alta médica hospitalar é prerrogativa do médico, cuja decisão deve ser tomada de acordo com os ditames éticos e legais. O médico não deve aceitar o pedido de alta de paciente feita por Chefe do Serviço, Diretor Clínico ou convênio quando, de acordo com sua avaliação técnica, não existem condições para a alta.
Os médicos deparam-se, cotidianamente, com este dilema: respeitar a autonomia do paciente e conceder a alta hospitalar, mesmo sabendo que esta decisão poderá trazer prejuízos à saúde do paciente, ou recusar-se a atender o pedido, mantendo o paciente internado mesmo contra sua vontade, tendo como norte o princípio da beneficência, uma vez que o direito à vida é indisponível e ao médico cabe zelar pela vida.
Cabe ao médico exercer sua profissão com autonomia, sempre orientado pelos preceitos éticos e legais.
Fonte: CREMESP