Com patrocínio da Mapfre Brasil e Escrito por Fernando Duarte, Depois do Amor marca mais uma parceria entre o jovem autor e Marília, que faleceu no dia da estreia nacional da peça, no teatro Amazonas, no dia 05 de dezembro de 2015. Autor e diretora já haviam trabalhado juntos no sucesso “Callas”. O espetáculo volta a São Paulo para curta temporada no teatro Morumbi Shopping, de 05 a 28 de outubro, com sessões de sexta a domingo.
A trama de Depois do Amor retorna ao ano de 1962 e aos bastidores do filme “Something’s got to give”, produção estrelada por Marilyn Monroe e interrompida em virtude de sua morte, no mês de agosto do mesmo ano, aos 36 anos.
Nos primeiros 16 dias, a atriz, vivida na peça por Danielle Winits, não apareceu no set de filmagem alegando uma sucessão de enfermidades. Quando finalmente decidiu trabalhar estava mais magra e foi preciso ajustar todo o seu figurino, que havia sido encomendado por ela ao famoso estilista Jean Louis.
Margot Taylor, vivida por Karen Coelho, foi designada para a tarefa, e encontrou a atriz em sua nova casa. Assistente do estilista, ela era também velha conhecida da sexy symbol.
Elas se tornaram amigas em 1952, nos bastidores de uma filmagem. Na época, Margot era namorada de Joe DiMaggio, que ao colocar os olhos em Marilyn, rompeu com ela e viveu um casamento de nove meses com a atriz. Dez anos depois, a vida se encarregou de colocar as duas frente a frente para um acerto de contas.
Enquanto experimenta os belos vestidos, Marilyn e Margot conversam sobre o passado, os amores e as alegrias, relembrando fatos engraçados, aflições e vislumbrando um futuro, que a Deusa do cinema não teve tempo para viver.
Depois do Amor poderia ser definido como um estudo da alma feminina, mas pode ser mais que isso. Em cena, um dos maiores mitos da feminilidade do século XX: Marilyn Monroe, a mais absoluta encarnação do glamour, da feminilidade e da carência afetiva e Margot, uma mulher comum. Apesar das diferenças abissais entre os dois mundos, percetíveis de imediato, a mesma prisão as aproxima: a dificuldade de se afirmar com autonomia em um mundo controlado pelos homens e a impossibilidade de encarar a vida sem afeto.
Sobre a Montagem
A grande dama dos palcos, da televisão e do cinema, Marília Pêra, passou os últimos dois meses de vida fazendo aquilo que mais amava, exercendo o seu ofício. Apesar da saúde fragilizada, ela abriu as portas de sua casa no Rio de Janeiro e recebeu elenco e equipe do espetáculo. Foram dois meses de ensaios, das 15h às 19h. Marília trabalhou até poucos dias antes de falecer. A estreia do espetáculo aconteceu em Manaus no histórico teatro Amazonas no dia 05 de dezembro de 2015, mesmo dia do falecimento da genial atriz.
Depois do Amor marca mais uma parceria entre Fernando Duarte e Marília Pêra. Eles se conheceram nos bastidores de uma produção, quando Fernando era contrarregra e camareiro em um espetáculo dirigido por Marília. Sempre estimulado pela veterana, o autor mergulhou no universo da dramaturgia. Em 2013, a atriz dirigiu “Callas”, escrito para comemorar os 90 anos da cantora lírica Maria Callas, e agora Depois do Amor, uma homenagem os 90 anos de Marilyn Monroe.
A simples menção ao nome Marilyn Monroe desperta o imaginário de muitas formas. Para alguns, sugere o padrão absoluto da sensualidade feminina. Beleza. Graça. Sofisticação. Para outros, vem à mente insegurança. Infelicidade. Tragédia. Mas para apreciar a vida complexa e fascinante dessa mulher enigmática é preciso deixar de lado quaisquer noções preconcebidas sobre ela, tarefa, com certeza, difícil, considerando o seu status de iconoclasta.
Ficha Técnica
Direção - Marília Pêra
Diretor Assistente – Fernando Philbert
Elenco - Danielle Winits e Karen Coelho
Figurinos - Sônia Soares
Cenário - Natalia Lana
Iluminação - Vilmar Olos
Trilha sonora - Paula Leal
Ass. de Direção – Mayara Travassos
Projeções - Anibal Diniz
Visagismo - Max Lira e Chico Toscano
Fotos material gráfico - Lucio Luna
Fotos de cena - Guga Melgar
Produtor executivo – Fabricio Chianello
Direção de produção - Cássia Vilasbôas e Fernando Duarte
Realização – NOVE PRODUÇÕES Culturais
TEMPORADA: 05 a 28 de outubro
LOCAL: TEATRO MORUMBI SHOPPING
HORÁRIOS: Sextas e sábados 21H / domingos 19h
INGRESSOS: R$ 70 | R$ 30
Pela internet: www.ingressorapido.com.br
Bilheteria: Terça a sexta, 14h às 21h - Sábado, 13h às 21h - Domingo, 13h às 20h.
Gênero - Comédia biográfica
Recomendação: 12 anos
Duração: 60 min
Crítica - GILBERTO BARTHOLO
A rigor, Marilyn é um belo pretexto. Não se busca, neste espetáculo, nem uma exumação da fulgurante estrela do cinema, nem um documentário preocupado em destrinchar a sua identidade. Sem dúvida foi feita uma pesquisa preciosa a respeito da atriz, usada no texto intensamente, às vezes em sequências que resultam um pouco frias, pois estão carregadas demais de informação.
Mas o foco é outro e a diversão, certa – o autor esboça em cena dois perfis de mulher contemporâneos plausíveis, um tanto complementares, pois são formas femininas de servidão no mundo dos homens. No entanto, são, afinal, perfis antagônicos. Este é o centro do debate. A direção, último trabalho teatral da fulgurante Marília Pêra, assistida por Fernando Philbert, explora com requintes o rendilhado de emoções femininas em pauta, da meiguice ao furor de destruição.
Sim, Marilyn foi predadora, agressiva, instinto feminino em estado selvagem, digamos. O oposto da rainha do lar. A doçura transbordante encanta nos filmes, confina com os sonhos a respeito do eterno feminino, mas, na vida, era avassaladora, um fluxo de carência infantil transgressiva insuportável. Ao que tudo indica, morreu por causa disto – pois não há mais a menor possibilidade de acreditarmos na hipótese de suicídio. E quando morreu, ao seu redor não havia nenhum amigo sincero capaz de defendê-la. Depois do amor, o que restou foi a mais negra solidão.
Portanto, o debate lança no ringue a mulher em busca do poder sob dois tons, a devoradora e a submissa, esboça um painel entre o cômico e o melancólico sobre a mulher às voltas com o domínio dos homens. Para propô-lo com seriedade e grandeza, Fernando Duarte recorreu a um golpe eficiente de ficção – a partir de fiapos de realidade, concebeu uma situação teatral instigante.
A trama é simples – em 1962, durante a filmagem do seu último longa, Something’s got to give, inacabado, Marilyn Monroe, talvez mergulhada numa atmosfera depressiva forte, faltou repetidamente ao trabalho sob a alegação de doença. Quando se dispôs a trabalhar, foi preciso ajustar os figurinos, criações do famoso estilista de Hollywood, Jean Louis, pois emagrecera.
Para cumprir a tarefa, uma hipotética assistente do costureiro visita a estrela. O autor atribuiu a missão a Margot Taylor, que seria uma ex-camareira amiga da atriz, no início de sua carreira. Na versão do dramaturgo, Margot teria sido abandonada por Joe Di Maggio, dez anos antes, quando ele se apaixonou por Marilyn.
Para destacar as nuanças do encontro, a cena é despojada. O cenário retrata com simplicidade a casa em que Marilyn morreu, ocupada havia pouco, criação de Natália Lana, sob luz funcional de Vilmar Olos, os belos figurinos, de Sônia Soares, e o visagismo de Marilyn, de Max Weber, oferecem reproduções bastante fiéis da época e da identidade da atriz. E esta orientação resulta mais divertida, pois a plateia de hoje sabe lidar com este tipo de narratividade.
Por sinal, a sensibilidade do público não tem razão para queixas. Muitos momentos são preciosos nesta montagem, a começar por uma emocionante homenagem, na abertura, ao imenso talento de Marília Pêra, sensacional mulher de teatro responsável pela concepção da direção da peça, o seu último trabalho, que comandou até às vésperas da morte.
A presença de Marília se faz notar por toda a cena, nos toques sutis de teatralidade e de feminilidade, nas filigranas do desempenho de Danielle Winits. Elas foram moldadas para expor Marilyn como performance, tanto nos gestos estudados para atrair a atenção, como nos trejeitos para encantar e seduzir, culminando na consciência do corpo desejado e desejante. Está lá o champanhe, a vaidade, a voz sensual da própria Marilyn louvando os diamantes, na bela trilha sonora de Paula Leal.
Mas não é só. O espírito profundamente profissional de Marília Pêra, a sua total entrega ao teatro, repercutem na excelente Maria Eduarda de Carvalho. Chamada para substituir a atriz ensaiada para o papel desafiador de antagonista requintada da estrela, Maria Eduarda de Carvalho não chegou a ser ensaiada pela diretora, que faleceu um pouco antes da estreia nacional.
Ela não se limitou a aceitar o embate: Maria Eduarda de Carvalho arrebata em cena, sustenta com vigor e credibilidade o papel da mulher reprimida dos anos 1950/1960, a senhora do lar, imagem que Marilyn Monroe ousou despedaçar ao longo de sua vida, talvez por não ter tido jamais um lar. A afinação entre as duas atrizes é absoluta, gera cenas de humor irresistível, passagens de sofisticada teatralidade.
Em resumo, a montagem, entre o realismo singelo e a invenção teatral, transporta a plateia para um inventário importante, o inventário das condições da figura feminina na aurora do nosso tempo. Aquele tempo em que ainda não se sabia como a mulher poderia sobreviver fora do jugo masculino, depois do amor, como poderia dar as cartas do desejo e protagonizar, livre, a própria existência. Ou mesmo pretender controlar as rédeas do mundo.
Marilyn, a guerreira sedutora voraz, expõe as suas armas em cena, ao lado da submissa empreendedora. Quem terá sido a ganhadora? Apesar do seu aparente poder, ainda que tenha se transformado em mito, Marilyn não sobreviveu: ao que tudo indica, uma trama masculina, até hoje obscura, logo condenou-a à morte. Como se o limite para a realização feminina estivesse desde sempre traçado, contido por um conceito macho do mundo. Quer dizer, vale a pena conferir. Interessa muito pensar o tema, em especial, às mulheres.