Cultura - Teatro

Danielle Winits e Karen Coelho em Depois do Amor no Teatro Morumbi Shopping

25 de Setembro de 2018

Com patrocínio da Mapfre Brasil e Escrito por Fernando Duarte, Depois do Amor marca mais uma parceria entre o jovem autor e Marília, que faleceu no dia da estreia nacional da peça, no teatro Amazonas, no dia 05 de dezembro de 2015. Autor e diretora já haviam trabalhado juntos no sucesso “Callas”.  O espetáculo volta a São Paulo para curta temporada no teatro Morumbi Shopping, de 05 a 28 de outubro, com sessões de sexta a domingo.

A trama de Depois do Amor retorna ao ano de 1962 e aos bastidores do filme  “Something’s got to give”, produção estrelada por Marilyn Monroe e interrompida em virtude de sua morte, no mês de agosto do mesmo ano, aos 36 anos.

 

Nos primeiros 16 dias, a atriz, vivida na peça por  Danielle Winits, não apareceu no set de filmagem alegando uma sucessão de enfermidades. Quando finalmente decidiu trabalhar estava mais magra e foi preciso ajustar todo o seu figurino, que havia sido encomendado por ela ao famoso estilista Jean Louis.

Margot Taylor,  vivida por Karen Coelho, foi designada para a tarefa, e encontrou a atriz em sua nova casa.  Assistente do estilista, ela era também velha conhecida da sexy symbol.

Elas se tornaram amigas em 1952, nos bastidores de uma filmagem. Na época, Margot era namorada de Joe DiMaggio, que ao colocar os olhos em Marilyn, rompeu com ela e viveu um casamento de nove meses com a atriz.   Dez anos depois, a vida se encarregou de colocar as duas frente a frente para um acerto de contas.

Enquanto experimenta os belos vestidos, Marilyn  e Margot conversam sobre o passado, os amores e as alegrias, relembrando fatos engraçados, aflições e vislumbrando um  futuro,  que a Deusa do cinema não teve tempo para viver.

Depois do Amor poderia ser definido como um estudo da alma feminina, mas pode ser mais que isso. Em cena, um dos maiores mitos da feminilidade do século XX: Marilyn Monroe, a mais absoluta encarnação do glamour, da feminilidade e da carência afetiva e Margot, uma mulher comum. Apesar das diferenças abissais entre os dois mundos, percetíveis de imediato, a mesma prisão as aproxima: a dificuldade de se afirmar com autonomia em um mundo controlado pelos homens e a impossibilidade de encarar a vida sem afeto.

Sobre a Montagem

A grande dama dos palcos, da televisão e do cinema, Marília Pêra, passou os últimos dois meses de vida fazendo aquilo que mais amava, exercendo o seu ofício. Apesar da saúde fragilizada, ela abriu as portas de sua casa no Rio de Janeiro e recebeu elenco e equipe do espetáculo. Foram dois meses de ensaios, das 15h às 19h. Marília trabalhou até poucos dias antes de falecer. A estreia do espetáculo aconteceu em Manaus no histórico  teatro  Amazonas no dia 05 de dezembro de 2015, mesmo dia do falecimento da genial atriz.

Depois do Amor marca mais uma parceria entre Fernando Duarte e Marília Pêra. Eles se conheceram nos bastidores de uma produção, quando Fernando era contrarregra e camareiro em um espetáculo dirigido por Marília. Sempre estimulado pela veterana, o autor mergulhou no universo da dramaturgia.  Em 2013, a atriz dirigiu “Callas”,  escrito para comemorar os 90 anos da cantora lírica Maria Callas, e agora Depois do Amor, uma homenagem os 90 anos de Marilyn Monroe.

 Sobre Marilyn Monroe

A simples menção ao nome Marilyn Monroe desperta o imaginário de muitas formas.  Para alguns, sugere o padrão absoluto da sensualidade feminina. Beleza. Graça. Sofisticação. Para outros, vem à mente insegurança. Infelicidade. Tragédia. Mas para apreciar a vida complexa e fascinante dessa mulher enigmática é preciso deixar de lado quaisquer noções preconcebidas sobre ela, tarefa, com certeza, difícil, considerando o seu status de iconoclasta.

 Foi uma pessoa que superou dificuldades aparentemente intransponíveis para tornar-se não só respeitada e adorada, mas também, para muitos, a maior estrela de cinema do mundo. Embora grande parte de sua vida tenha sido dedicada a construir e manter sua carreira, na intimidade Marilyn buscava a estabilidade subtendida na ideia de um núcleo familiar. Infelizmente para ela, essa promessa não se cumpriu.

 Talvez a verdadeira história de Marilyn gire em torno de algo, que ela, em seus melhores momentos possuía em abundância: a esperança. Acreditava que tudo era possível. Era mais que apenas uma atriz famosa. Foi uma alma vulnerável, um espírito generoso e um soldado corajoso na devastadora batalha com a própria mente.

 Dizer que nenhuma outra atriz vendeu tanto quanto ela, nem começa a explicar a importância que teve para o mundo do cinema. Ainda hoje é vista nas vitrines da vida como uma referência que nunca sai de moda. No entanto, por trás do sorriso fotogênico,  era uma pessoa frágil e vulnerável, tinha uma combinação de esplendor e anseio que a destacava. Longe dos holofotes,  sem a maquiagem que a transformava no mito Marilyn Monroe, às vezes, passava despercebida. Era uma mulher muito simples e amada pelas pessoas de seu circulo mais próximo. E é justamente esse lado menos conhecido, o lado mais humano que o espetáculo pretende mostrar. Cinquenta e três anos após sua morte, ainda é capaz de fascinar e inspirar. A Marilyn viva promoveu um caso de amor com o mundo e, morta, provocou uma espécie de necrofilia em massa. Sim, teve e mantém a espantosa fama que tantos almejam - mas, além disso, tinha uma incrível doçura que tocava a todos.

 Depois do Amor revela esta outra Marilyn: mulher, elegante, sofisticada, muito complexa, séria, mas também, extremamente divertida e inteligente.  A mulher por trás do mito, mais humana e certamente ainda mais fascinante.

 

Ficha Técnica

 Autor - Fernando Duarte

Direção - Marília Pêra

Diretor Assistente – Fernando Philbert

Elenco - Danielle Winits e Karen Coelho

Figurinos - Sônia Soares

Cenário - Natalia Lana

Iluminação - Vilmar Olos

Trilha sonora - Paula Leal

Ass. de Direção – Mayara Travassos

Projeções - Anibal Diniz

Visagismo - Max Lira e Chico Toscano

Fotos material gráfico - Lucio Luna

Fotos de cena - Guga Melgar 

Produtor executivo – Fabricio Chianello

Direção de produção - Cássia Vilasbôas e Fernando Duarte

Realização – NOVE PRODUÇÕES Culturais

 Serviço

 CIDADE: São Paulo

TEMPORADA: 05 a 28 de outubro

LOCAL:  TEATRO MORUMBI SHOPPING

HORÁRIOS:  Sextas e sábados 21H / domingos 19h

INGRESSOS: R$ 70 | R$ 30

Pela internet: www.ingressorapido.com.br

Bilheteria: Terça a sexta, 14h às 21h - Sábado, 13h às 21h - Domingo, 13h às 20h.

Gênero - Comédia biográfica

Recomendação: 12 anos

Duração: 60 min

 

Crítica - GILBERTO BARTHOLO

 A primeira grande surpresa da peça é o bom texto, de FERNANDO DUARTE, com diálogos curtos e recheados de muita ironia e sarcasmos, de ambas as partes, MARILYN e MARGOT, pondo bastante lenha na fogueira, alimentando a “guerrinha” entre as duas, fomentando uma contenda entre “cobrança X desculpas”, quando, na verdade, nada daquilo caberia, passados dez anos de uma “traição dupla”. Gostei do texto, principalmente pela sua simplicidade, que não exige muito esforço, do público, para ser compreendido.

 A segunda boa surpresa foi revelada pela atuação das duas atrizes. Tinha receio de ver a MARILYN versão DANIELLE WINITS, visto que não considero fácil interpretar um mito, menos ainda quando se trata da diva em questão. Muitas atrizes já o tentaram e se deram mal. É totalmente inadmissível uma MARILYN caricatural.

 Não sei se, exatamente, pelo fato de o autor do texto querer mostrar uma outra face da mulher MARILYN, o fato é que gostei do trabalho de DANIELLE, e isso me deixa muito feliz, ou seja, o fato de uma pouca expectativa e de muita desconfiança ser transformado numa agradável surpresa.

  Crítica - Tania Brandão

 DEPOIS DA ESTRELA

 Marilyn Monroe: algumas figuras históricas, impactantes, surgem diante de nós como grandes desafios, acenam com a possibilidade de ampliarmos nossa compreensão da vida humana. E das mulheres. Depois do amor, um encontro com Marilyn Monroe, de Fernando Duarte, cartaz do Teatro Vannucci, persegue esta ambição. Em cena, Danielle Winits materializa a estonteante garota-pecado com delicadeza, através de uma minuciosa escolha de gestos, trejeitos, expressões – e traz, mais além da homenagem, uma tentativa de estudo de temas femininos urgentes. O que é, afinal, a mulher na nossa sociedade?

A rigor, Marilyn é um belo pretexto. Não se busca, neste espetáculo, nem uma exumação da fulgurante estrela do cinema, nem um documentário preocupado em destrinchar a sua identidade. Sem dúvida foi feita uma pesquisa preciosa a respeito da atriz, usada no texto intensamente, às vezes em sequências que resultam um pouco frias, pois estão carregadas demais de informação.

Mas o foco é outro e a diversão, certa – o autor esboça em cena dois perfis de mulher contemporâneos plausíveis, um tanto complementares, pois são formas femininas de servidão no mundo dos homens. No entanto, são, afinal, perfis antagônicos. Este é o centro do debate. A direção, último trabalho teatral da fulgurante Marília Pêra, assistida por Fernando Philbert, explora com requintes o rendilhado de emoções femininas em pauta, da meiguice ao furor de destruição.

Sim, Marilyn foi predadora, agressiva, instinto feminino em estado selvagem, digamos. O oposto da rainha do lar. A doçura transbordante encanta nos filmes, confina com os sonhos a respeito do eterno feminino, mas, na vida, era avassaladora, um fluxo de carência infantil transgressiva insuportável. Ao que tudo indica, morreu por causa disto – pois não há mais a menor possibilidade de acreditarmos na hipótese de suicídio. E quando morreu, ao seu redor não havia nenhum amigo sincero capaz de defendê-la. Depois do amor, o que restou foi a mais negra solidão.

Portanto, o debate lança no ringue a mulher em busca do poder sob dois tons, a devoradora e a submissa, esboça um painel entre o cômico e o melancólico sobre a mulher às voltas com o domínio dos homens. Para propô-lo com seriedade e grandeza, Fernando Duarte recorreu a um golpe eficiente de ficção – a partir de fiapos de realidade, concebeu uma situação teatral instigante.

A trama é simples – em 1962, durante a filmagem do seu último longa, Something’s got to give, inacabado, Marilyn Monroe, talvez mergulhada numa atmosfera depressiva forte, faltou repetidamente ao trabalho sob a alegação de doença. Quando se dispôs a trabalhar, foi preciso ajustar os figurinos, criações do famoso estilista de Hollywood, Jean Louis, pois emagrecera.

Para cumprir a tarefa, uma hipotética assistente do costureiro visita a estrela. O autor atribuiu a missão a Margot Taylor, que seria uma ex-camareira amiga da atriz, no início de sua carreira. Na versão do dramaturgo, Margot teria sido abandonada por Joe Di Maggio, dez anos antes, quando ele se apaixonou por Marilyn.

Para destacar as nuanças do encontro, a cena é despojada. O cenário retrata com simplicidade a casa em que Marilyn morreu, ocupada havia pouco, criação de Natália Lana, sob luz funcional de Vilmar Olos, os belos figurinos, de Sônia Soares, e o visagismo de Marilyn, de Max Weber, oferecem reproduções bastante fiéis da época e da identidade da atriz. E esta orientação resulta mais divertida, pois a plateia de hoje sabe lidar com este tipo de narratividade.

Por sinal, a sensibilidade do público não tem razão para queixas. Muitos momentos são preciosos nesta montagem, a começar por uma emocionante homenagem, na abertura, ao imenso talento de Marília Pêra, sensacional mulher de teatro responsável pela concepção da direção da peça, o seu último trabalho, que comandou até às vésperas da morte.

A presença de Marília se faz notar por toda a cena, nos toques sutis de teatralidade e de feminilidade, nas filigranas do desempenho de Danielle Winits. Elas foram moldadas para expor Marilyn como performance, tanto nos gestos estudados para atrair a atenção, como nos trejeitos para encantar e seduzir, culminando na consciência do corpo desejado e desejante. Está lá o champanhe, a vaidade, a voz sensual da própria Marilyn louvando os diamantes, na bela trilha sonora de Paula Leal.

Mas não é só. O espírito profundamente profissional de Marília Pêra, a sua total entrega ao teatro, repercutem na excelente Maria Eduarda de Carvalho. Chamada para substituir a atriz ensaiada para o papel desafiador de antagonista requintada da estrela, Maria Eduarda de Carvalho não chegou a ser ensaiada pela diretora, que faleceu um pouco antes da estreia nacional.

Ela não se limitou a aceitar o embate: Maria Eduarda de Carvalho arrebata em cena, sustenta com vigor e credibilidade o papel da mulher reprimida dos anos 1950/1960, a senhora do lar, imagem que Marilyn Monroe ousou despedaçar ao longo de sua vida, talvez por não ter tido jamais um lar. A afinação entre as duas atrizes é absoluta, gera cenas de humor irresistível, passagens de sofisticada teatralidade.

Em resumo, a montagem, entre o realismo singelo e a invenção teatral, transporta a plateia para um inventário importante, o inventário das condições da figura feminina na aurora do nosso tempo. Aquele tempo em que ainda não se sabia como a mulher poderia sobreviver fora do jugo masculino, depois do amor, como poderia dar as cartas do desejo e protagonizar, livre, a própria existência. Ou mesmo pretender controlar as rédeas do mundo.

Marilyn, a guerreira sedutora voraz, expõe as suas armas em cena, ao lado da submissa empreendedora. Quem terá sido a ganhadora? Apesar do seu aparente poder, ainda que tenha se transformado em mito, Marilyn não sobreviveu: ao que tudo indica, uma trama masculina, até hoje obscura, logo condenou-a à morte. Como se o limite para a realização feminina estivesse desde sempre traçado, contido por um conceito macho do mundo. Quer dizer, vale a pena conferir. Interessa muito pensar o tema, em especial, às mulheres.

 

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