Por Carla Gomes (MTb 28156) – Assessora de Imprensa IAC
No Brasil, o clima tropical que viabiliza a produção de até três safras agrícolas também favorece a ocorrência de pragas e doenças nas plantações. Em países frios, além de as baixas temperaturas funcionarem como barreiras para tais ocorrências, há apenas uma safra, por ano. Estes dois fatores — número de safras e características climáticas — explicam porque a agricultura brasileira lidera o uso de produtos químicos.
O controle fitossanitário, necessário para viabilizar os cultivos agrícolas em escala, representa mais da metade dos custos de produção das lavouras. Nesse cenário, o melhor a ser feito é a adoção de adequadas tecnologias de aplicações de agrotóxicos, que proporcionem o melhor aproveitamento de produtos para as culturas, com menores perdas para o ambiente, eficiente uso de água e menor impacto para a saúde dos trabalhadores. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas, desenvolve o Programa Aplique Bem, focado no treinamento prático de aplicadores, na avaliação de equipamentos e da pulverização. O objetivo é melhorar o resultado das pulverizações, reduzir perdas econômicas e minimizar impactos para o ambiente e para a saúde dos aplicadores. O trabalho, iniciado em 2007, tem parceria com a empresa Arysta LifeScience.
De 2007 até setembro de 2015, 47.657 trabalhadores já foram treinados pelo Programa Aplique Bem, em 708 municípios, de 22 Estados, dentre eles Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins, além do Distrito Federal.
Em 2013, o Programa extrapolou as fronteiras nacionais. Sob a coordenação e orientação do Brasil, já existem atividades do Aplique Bem nos países africanos Burkina Faso e Costa do Marfim. Também há no México e o próximo a receber a tecnologia deverá ser o Vietnã. “Todos eles utilizam os mesmos conceitos, a mesma identidade visual e a mesma logomarca, com a diferença que Aplique Bem está escrito na língua do país”, diz o pesquisador do IAC, Hamilton Humberto Ramos.
A equipe de técnicos percorre o Brasil com o Tech-móvel – veículo adaptado com recursos que viabilizam o ensino sobre a maneira correta de aplicar agrotóxico e a avaliação de pulverizadores. O Programa conta com três veículos, sendo que cada um tem capacidade para realizar 200 treinamentos, por ano. A atividade é feita diretamente na propriedade agrícola. Este diferencial do Programa atraiu a atenção do engenheiro agrônomo, Marcelo Martins, do Grupo Campanha, responsável pela produção de hortaliças em Teresópolis e Sumidouro, no Rio de Janeiro. Perguntado sobre o que despertou o interesse para receber o Programa, ele é categórico: “A vantagem do treinamento dentro da propriedade, permitindo que o produtor aprenda na prática”, resume. Martins aponta a melhora na tecnologia e na aplicação de defensivos como as principais mudanças ocorridas na qualidade do trabalho, após a participação no Programa Aplique Bem. “Os produtores estavam utilizando de forma inadequada os pulverizadores, sem fazer a calibração, sem usar pontas adequadas, sem usar vazão adequada”, explica.
A equipe do Aplique Bem esteve no Rio de Janeiro entre janeiro e março de 2014. No Grupo Campanha foram treinados 20 produtores de hortaliças folhosas, responsáveis por uma área de 200 hectares. A produção é destinada a supermercados e restaurantes fast food. Martins teve conhecimento do Programa Aplique Bem por meio da rede Pão de Açúcar. Ele relata que o contato para agendamento do treinamento, feito pela Arysta LifeScience, foi fácil e organizado.
Sobre os impactos do Programa na melhoria na qualidade da mão de obra, segundo o pesquisador, quando o trabalhador e o agricultor entendem os benefícios alcançados com a forma de produzir mais econômica e segura, eles mudam o hábito. “Apesar de não haver uma mensuração disso, não são raros os relatos de revendas que dizem ter acabado o estoque de pontas de pulverização ou de vestimentas de proteção após uma ação do Aplique Bem”, afirma o pesquisador do IAC e responsável pelo projeto.
Profissionais que já passaram pelo treinamento confirmam a constatação do pesquisador. “O Aplique Bem melhorou muito a equipe. Mudou da água para o vinho. Como nossa equipe é pequena, conseguimos melhorar muito o trabalho, porque o conhecimento que eles tinham era passado por nós, mas agora é diferente. Muitos tratoristas passaram três vezes pelo treinamento. Hoje, alguns exercem cargo de liderança, por conta do conhecimento adquirido pelo programa e muita força de vontade”, relata Valdecir Florentino Bueno, coordenador da equipe de aplicação da usina Santa Marina, de Cerquilho, interior paulista.
Para Ramos, a carência de informação dos agricultores pode contribuir para a ocorrência de prejuízos à economia, à saúde e ao ambiente. Os gastos com aplicação de defensivos para produção de tomate, por exemplo, somam cerca de 60% dos custos totais de produção. Essas despesas poderiam ser reduzidas à metade, com adoção da tecnologia eficaz.
Para o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, os altos valores de produção afetam os bolsos dos agricultores, que gastam mais para produzir, e também dos consumidores, que, consequentemente, pagam mais pelos produtos no supermercado. “É a pesquisa quem pode colaborar para minimizar ou reverter esse quadro, este é o direcionamento recomendado pelo governador Geraldo Alckmin”, diz Jardim.
O Aplique Bem é o único programa de avaliação e treinamento que trabalha com todos os perfis de propriedades e equipamentos, desde os pequenos, com pulverizadores costais e semi-estacionários, os médios, com pulverizadores de barras ou turbopulverizadores, até os grandes, em que predomina a utilização dos automotrizes. O Aplique Bem só não trabalha com aviões. Esta categoria de pulverizadores requer um treinamento específico regulamentado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Como funciona o Programa
O pesquisador do IAC, Hamilton Humberto Ramos, explica que o Programa Aplique Bem trabalha as três áreas fundamentais para ocorrer uma boa pulverização: avaliação do pulverizador, considerando a qualidade da máquina, análise da pulverização, com foco na adequação da regulagem do equipamento, e treinamento dos trabalhadores, com transferência de informações sobre os conceitos de tecnologia de aplicação e segurança no trabalho com agrotóxicos.
O Programa é composto por atividades teóricas e práticas, em que são abordados os conceitos da adequada pulverização. “Só existe a aplicação correta se houver: equipamento adequado, bem regulado, operado por trabalhador treinado”, resume.
O agendamento da visita do Aplique Bem é feito pela equipe da empresa Arysta LifeScience. A equipe do IAC segue aos locais previamente agendados para desenvolvimento das atividades de transferência de tecnologias. Na situação real de aplicação de cada propriedade agrícola, os técnicos da equipe do Aplique Bem iniciam a atividade com a avaliação dos pulverizadores usados no local. O procedimento é feito com base na norma ISO 16122. “Não existe uma atividade ou um treinamento genérico, se o Aplique Bem for desenvolver atividades com produtores de cana, todas as fotos e exemplos utilizados são com cana, da mesma forma, se ele for para produtores de hortaliças, as fotos e exemplos serão característicos dessa cultura. Isso facilita o entendimento por parte do agricultor”, explica Ramos.
Em caso de identificação de problema no equipamento, o Programa corrige, se for algo simples. Se a falha for grave, a equipe registra em relatório a recomendação de reparo. Além do equipamento, são avaliadas as técnicas usadas e a ocorrência de desperdício. “Propomos alternativas e avaliamos os resultados juntamente com o produtor até chegar ao formato mais adequado e seguro para cada aplicação”, diz Ramos. Finalmente, com base na situação verificada, é realizado o treinamento teórico-prático.
De acordo com o pesquisador do IAC, se houver situação para a qual a pesquisa ainda não gerou resposta, terá origem um novo estudo, com participação de agricultores. A resposta obtida será transferida ao setor por meio de dias de campo e passará a integrar o material didático do Programa Aplique Bem.
Estrutura do Programa
O Aplique Bem é coordenado de forma conjunta pelo Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico e pela Arysta LifeScience. O IAC é responsável por toda a parte técnica. Já a infraestrutura e a logística são de competência da Arysta. O IAC seleciona e capacita os instrutores e auxiliares. Os técnicos ligados ao Aplique passam por treinamento ao entrar no Programa, que se repete ao longo do ano para fins de atualização. Os técnicos são contratados pelo IAC, por meio da Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola (FUNDAG). Os recursos são mantidos pela Arysta.
Essa parceria prevê dois aspectos que reforçam a credibilidade do trabalho: o Aplique Bem não aborda produtos e não está ligado a vendas. Apesar de ser uma parceria com uma multinacional da área de agrotóxicos, o Aplique Bem se limita a transmitir conhecimentos sobre tecnologias de aplicação e segurança, que podem ser adotadas por agricultores em qualquer situação de controle fitossanitário. “Em nenhum momento há a recomendação sobre produtos da empresa ou ação comercial durante as atividades”, assegura o pesquisador responsável pelo trabalho.
Ramos esclarece que dentro da Arysta, o Aplique Bem está ligado à área de stewardship (segurança) e não à comercial. “Dessa forma, não há uma meta de vendas para que um representante possa organizar um Aplique Bem, ele (o Programa) não é direcionado às áreas mais lucrativas que poderiam internamente ter mais recurso disponível, bem como não é necessário que um agricultor seja cliente da empresa para que possa participar”, esclarece. As atividades do Aplique Bem são divididas equitativamente por região do país e não por culturas ou faturamento.
Na avaliação de Ramos, são três os diferenciais do Aplique Bem: qualidade da atenção, conhecimento técnico demonstrado pelos instrutores e inexistência de aspectos comerciais no Programa. “O Aplique Bem já foi e continua sendo copiado por várias outras empresas, mas nenhum deles teve vida muito longa, apesar de haver maior volume de recursos envolvidos”, diz.
O pesquisador esclarece que o limitante para a ampliação do número de Tech-móveis não é o recurso para equipá-lo, mas a capacitação da pessoa para operá-lo. A estratégia adotada pelo IAC para garantir a qualidade dos técnicos é a seguinte: o instrutor do Aplique Bem é selecionado dentre os alunos do último ano de um curso de Agronomia para um estágio curricular de seis meses. Nesse período, são analisados a pró-atividade, o senso de equipe do estagiário e interesse pelo Programa. “Sendo positiva a avaliação, ele passa a receber uma bolsa de aperfeiçoamento técnico por um ano, neste período ele assume parte do treinamento, além de auxiliar o instrutor”, afirma. O estagiário atua com diferentes instrutores e em diversos sistemas de produção. Transcorridos doze meses, caso a avaliação seja positiva, o estagiário tem a possibilidade de continuar por mais um ano, com o status de instrutor. Nesta fase, ele assume o treinamento, mas ainda sob supervisão. A contratação pelo Aplique Bem como instrutor acontece no momento em que é constatada a capacitação completa. “Essa forma de seleção e de treinamento faz com que o instrutor passe confiança ao produtor”, avalia o pesquisador.
Depoimento
Valdecir Florentino Bueno, coordenador da equipe de aplicação da usina Santa Marina, de Cerquilho, São Paulo, onde há 19 mil hectares de cana-de-açúcar.
Já participei três vezes do treinamento do Aplique Bem, sendo a última vez em maio de 2015. Desde que conheci o projeto, solicitei na hora o treinamento, pois esta é a única maneira de treinar a equipe de campo na área de tecnologia de aplicação. No treinamento de maio de 2015, participaram 15 pessoas da Usina Santa Maria, líderes e tratoristas da usina. Além desse grupo, vieram cerca de dez produtores de propriedades vizinhas.
O Aplique Bem melhorou muito a equipe. Mudou da água para o vinho. Como nossa equipe é pequena, conseguimos melhorar muito o trabalho, porque o conhecimento que eles tinham era passado por nós, mas agora é diferente. Muitos tratoristas passaram três vezes pelo treinamento. Hoje, alguns exercem cargo de liderança, por conta do conhecimento adquirido pelo programa e muita força de vontade.
Outros programas já deram treinamento aqui, mas eles não chegam aos pés do Aplique Bem. O grande diferencial do Aplique Bem é o corpo técnico, as pessoas que dão o treinamento são muito boas, têm muito conhecimento.
O programa também avaliou a qualidade dos pulverizadores. Antes usávamos aquilo que achávamos correto, mas hoje, sabemos o que é o ideal e readequamos o equipamento. O programa é show de bola e precisa continuar. Gostaria de ter um treinamento deste por ano na Usina.
Informações coletadas no campo melhoram a qualidade dos pulverizadores
As informações coletadas em mais de 700 pulverizadores avaliados durante os treinamentos do Aplique Bem foram organizadas em um banco de dados. Inédito no Brasil, o banco, além de servir aos técnicos do Aplique Bem para a otimização dos treinamentos, é importante referência para as empresas fabricantes de pulverizadores e para aqueles que trabalham com segurança na aplicação. “A análise dessas informações viabiliza o conhecimento sobre as causas dos problemas das máquinas e auxilia as indústrias no planejamento das correções, caso o diagnóstico aponte para as etapas de projeto ou fabricação de equipamentos”, afirma o pesquisador do IAC.
SERVIÇO
Treinamento do Programa Aplique Bem na Usina São Martinho
Local: Usina São Martinho
Horário: 14h
Endereço: Fazenda São Martinho s/n - Zona Rural - CEP 14850-000 - Pradópolis/SP