O sonho e a ousadia de Assis Chateaubriand começaram aos trancos e barrancos, mas tornaram o Brasil o quarto país do mundo a ter uma estação de televisão no ar. Para ajudar na empreitada, ele não poupou e pediu ajuda dupla aos representantes de Deus na terra. Convocou logo um frei cantor no estilo Hollywood de ser e um arcebispo paulistano para garantirem o êxito e a paz na inauguração da emissora.
O mexicano Frei José de Guadalupe Mojica (1895-1974), era na época uma personalidade mundial e que adorava ser convidado para vir ao nosso país. Ao contrário do padre Marcelo Rossi e de outros aqui no Brasil que se tornaram cantores populares depois de se ordenarem padres, Frei Mojica era um cantor conhecido internacionalmente, inclusive com apresentações no Cassino da Urca, no Rio, e com participações em vários musicais de Hollywood, quando em 1942, abandonou tudo após a morte da mãe e um processo de depressão profunda, para entrar para o seminário dos franciscanos.
Frei Mojica A partir daí, Frei Mojica passou a se apresentar só em ocasiões especiais e com o cachê e a renda dos shows destinados para suas obras religiosas. E foi ele a primeira grande atração da nossa TV, ao cantar na primeira transmissão experimental, a 4 de julho de 1950, apresentado pelo então jovem Jota Silvestre (1922-2000), canções românticas como "Besame Mucho" ou "Jura-me". Frei Mojica foi acompanhado por um pianista franciscano peruano, Pacífico Chirino, e pela Orquestra Tupi.
A idéia já estava abençoada, mas para não dar chance a qualquer olho gordo, Chateaubriand fez questão que o arcebispo de São Paulo, D.Paulo Rolim, participasse da cerimônia oficial de inauguração e abençoasse os estúdios da nova emissora. E assim foi feito e D.Paulo foi de equipamento em equipamento fazendo a benção.
Bispo abençoa o estúdio Mas parece que uma das câmeras importadas RCA Victor não gostou da água benta em cima dela, não estava acostumada com aquele tipo de recepção e resolveu criar confusão. Resultado, depois que todos já tinham deixado o estúdio para que o primeiro programa entrasse no ar, ela resolveu não trabalhar, possivelmente já gripada com o clima brasileiro, e deixou os técnicos na mão, colocando em risco a estréia da TV no Brasil.
Além dos religiosos, quem roubou a cena nos primeiros momentos da nossa TV Tupi não foi nenhum dos artistas, vindos em sua maioria da "Cidade do Rádio", a sede das rádios Difusora e Tupi, entre eles Wálter Forster, Hebe Camargo, Homero Silva, Yara Lins, Lima Duarte, Lolita Rodrigues, Ivon Curi ou Cassiano Gabus Mendes, mas, pasmem...um indígena! Aliás, tudo a ver em se tratando de Brasil!
Longos intervalos caracterizavam a programação da Tupi nos primeiros tempos, e isso porque tudo era ao vivo, e a mudança de um cenário para o outro era no "muque", e dependia de três ou quatro empregados que transportavam mesas, cadeiras, sofás e armários de um lado para o outro para compor o novo cenário. O logotipo da emissora assumia então nesse momento o papel de grande atração, só que ele ficava parado no ar por muitos minutos até que o novo cenário estivesse pronto, cansando e provocando uma certa irritação no ainda não acostumado telespectador paulistano.
Composto pela imagem de um índio, olha ele aí, com uma expressão séria e que segurava nas mãos um arco, com a logomarca da Rádio Tupi de São Paulo (PRG-2) aos poucos substituída pela da PRF3-TV, esse logotipo se transformou na primeira "mala sem alça" da televisão brasileira. O índio carrancudo dominava o vídeo e, de tanto aparecer na telinha, acabou incorporando à linguagem paulistana o termo "mais chato que o índio da Tupi", para quando queríamos dizer que algo era muito, mas muito chato mesmo!
Assis Chateaubriand não esperava por essa e pediu ao radialista e desenhista Mário Fanucchi que criasse um personagem mais interessante para substituir aquele índio sério, o tal "chato" mais popular da cidade. E tempo depois surgiu o mascote Tupiniquim, um indiozinho simpático e de ar brejeiro, que até parecia ter surgido dos Estúdios Walt Disney.
Primeiro índio da TV E na próxima semana tem mais. É só aguardar! Até lá!