Cultura - Música

O poeta da música

8 de Maio de 2013

O cinema, finalmente, acordou para a música. Depois do filme do Cazuza e dos documentários sobre a Tropicália e o Raul Seixas chegou a vez do ícone do rock das décadas de 80 e 90. “Somos tão jovens” é uma biografia cinematográfica da curta e fértil carreira de Renato Russo que morreu de complicações provocadas pela Aids, aos 36 anos, em 1996. O filme resgata a genialidade das composições de Renato Russo, a começar pela clássica sacada na música “Que país é este? Escrita em 1978, na fase da primeira banda “Aborto Elétrico”, mais tarde a música foi incorporada ao repertório definitivo da Legião Urbana. “Nas favelas, no Senado, sujeira para todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação.” Atualíssima!      

Uma das grandes curiosidades do público sobre os artistas mais expressivos é descobrir a sua fonte de inspiração, de onde vem o processo criativo capaz de extrair das coisas simples da vida algo que possa transcender e sensibilizar outras pessoas. O escritor de Araraquara, Ignácio de Loyola Brandão, costuma andar com um pequeno bloquinho de notas no bolso, onde rabisca e registra os pequenos flagrantes da realidade que servirão para dar vida à literatura. É nessa hora fugaz que a abstração toma forma para se encaixar no quebra-cabeça da vida ou para subverter a ordem estabelecida. Assim está vaticinado no “Teatro dos Vampiros” de 1991. “Este é o nosso mundo: o que é demais nunca é o bastante. E a primeira vez é sempre a última chance.”

Quem lê à seco, sem som, as letras do rebelde Renato Manfredi Júnior não depreende que daqueles versos, sem métrica e sem lógica comum, podem verter a música em forma de poesia ou eclodir uma bela autocrítica tal qual aparece em Eu Sei. “Sexo verbal não faz meu estilo, palavras são erros e os erros são seus. Não quero lembrar que eu erro também. Um dia pretendo tentar descobrir, porque é mais forte quem sabe mentir. Não quero lembrar que eu minto também.”

Mas afinal, qual é o segredo para composições tão geniais que viajavam pelos universos de Freud, Yung e Rosseau. Na “camufla”, Renato dava uma psicólogo e de jornalista. Às escondidas, gravava em fita cassete as conversas com pessoas próximas. Era dali que retirava a matéria-prima para as composições, sugava as histórias da vida, as suas e as alheias. Bem, todo texto, música ou filme fica melhor quando tem uma historinha de amor no meio. O filme conta que Renato Russo teve uma namoradinha, a “Aninha”, aquela criatura meiga, compreensiva e companheira de todas as horas. Apaixonada, ela sabia da sua homossexualidade ainda não totalmente assumida e estava sempre do seu lado para oferecer o ombro amigo diante das constantes excentricidades, atitudes egocêntricas e loucuras do roqueiro. A  doce Aninha só ficou “p” da vida quando descobriu que o seu amado também gravava as suas conversas íntimas para servir de inspiração. Antes de romper a relação por esse “uso” indevido, a namorada havia contado que sonhava com o dia em que o amado fizesse uma música só para ela, com as lindas declarações de amor, que só um gênio da música como Renato Russo poderia escrever. A cândida Aninha só queria matar de inveja todas as mulheres do mundo. Afundado na fossa, remoendo o remorso e fazendo de tudo para reconquistar a namorada, em 1985, Renato Russo fez “Ainda é Cedo” no exato momento em que a Legião Urbana embalava com seus acordes a vida da juventude brasileira.

Sei que ela terminou
O que eu não comecei
E o que ela descobriu
Eu aprendi também, eu sei
Ela falou: - Você tem medo.
Aí eu disse: - Quem tem medo é você.
Falamos o que não devia
Nunca ser dito por ninguém
Ela me disse: - Eu não sei mais o que eu
sinto por você.
Vamos dar um tempo, um dia a gente se vê.

E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo.

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