Viver - Saúde

Pandemia provocou aumento nos casos de bruxismo, revelam pesquisas

4 de Novembro de 2022

Principal especialista do Brasil em dores na face, Ricardo Tanus explica como período desencadeou e agravou bruxismo e DTMs na população

Apesar de mais controlada com a chegada da vacina, a pandemia de Covid-19 ainda afeta a sociedade. Pesquisadores de diversas áreas da saúde ainda vão, nos próximos anos, descobrir alguns efeitos danosos de ordem física e psicológica do contexto pandêmico na vida das pessoas. Recentemente, mais uma dessas consequências foi descoberta: o aumento e agravamento de casos de bruxismo e disfunção temporomandibular (DTM) na população.

A causa direta, conforme alerta o principal especialista no Brasil em dores na face, Ricardo Tanus, é a relação entre essas disfunções e a ansiedade provocada pelo cenário incerto. “Durante a pandemia, as pessoas começaram a ficar mais em casa, entediadas, dormindo tarde, se exercitando menos, alteraram o padrão de sono, ficaram mais ansiosas, com medo de ficar doentes, de perder entes queridos... Tudo isso aumentou a ocorrência de bruxismo e DTMs, ou seja, as dores na articulação temporomandibular (ATM) e na musculatura mastigatória, ocasionando dores na face”, explica o dentista, que é mestre e especialista em DTM e dor orofacial.

Ricardo Tanus: “precisamos investigar a fundo as causas das dores dos pacientes. Na pandemia, estresse e insegurança afetaram a saúde bucal”

Estudo publicado no Journal of Applied Oral Science, da Faculdade de Odontologia de Bauru/USP, aponta que a pandemia pode levar a grandes impactos nas ciências orais nos próximos anos. E que “pode-se esperar que fatores psicológicos associados à pandemia podem levar a um maior risco de desenvolver, piorar e perpetuar o bruxismo e a DTM”, revela a pesquisa, desenvolvida por pesquisadores da USP e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O fato é atestado por estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que avaliou o impacto da pandemia no estresse, sono e na saúde bucal de estudantes universitários. A pesquisa concluiu que o surto de Covid gerou impactos psicológicos, fisiológicos e comportamentais nos alunos.

Entre os entrevistados, 72% tiveram sua rotina de sono alterada durante o período de isolamento social e 65% tiveram maior dificuldade em manter o ânimo. Também houve aumento estatisticamente significativo de estresse emocional, dores de cabeça e apertamento dentário diurno. Esse último ponto, segundo o Dr. Ricardo Tanus, também é chamado de “bruxismo da vigília”, que é o ato de apertar, ranger, encostar os dentes levemente ou até pressionar os músculos da face mesmo sem ter o toque dos dentes, durante o período que estiver acordado.

De fato, o estudo da USP apontou que pacientes com níveis altos de estresse são quase seis vezes mais propensos a relatar bruxismo acordado. Esse efeito é um padrão muito semelhante ao descrito como síndrome do estresse pós-traumático.

A placa dental e bloqueios musculares são aliadas para amenizar as dores do bruxismo. À esquerda, a placa da paciente Ana Carolina Paiva

O tratamento para essas situações em que a causa foi identificada (estresse/ansiedade devido à pandemia), explica Tanus, passa pelo desenvolvimento de uma rotina que lembre o paciente de aliviar a sobrecarga muscular e/ou articular. “Buscamos também mudanças comportamentais como o controle da ansiedade com exercícios de respiração, meditação e ioga”, afirma. Para adquirir o hábito de manter os dentes desencostados e os lábios selados em posição de repouso, há também aliados como aplicativos que emitem alertas, tal qual o “Desencoste”, disponível gratuitamente para Android e IOS.

Tratamento multidisciplinar

Acabar com as dores provocadas pelo bruxismo e as DTMs precisa levar em conta todo o histórico e estilo de vida do paciente. É necessário entender as causas do estresse, o padrão de sono e até as medicações que a pessoa utiliza. Isso porque alguns antidepressivos têm como efeito colateral o agravamento do bruxismo e é preciso pesar, junto com o psiquiatra, os benefícios e as alternativas para esse tratamento.

“Falo há mais de 25 anos que nós cuidamos de gente, não de dente. Não há receita de bolo para os tratamentos, que devem ser individualizados. Após identificar se o problema é articular ou muscular, começamos as intervenções, que podem incluir mudanças comportamentais, placas oclusais, termoterapia, medicações, agulhamento seco, laserterapia, exercícios de alongamento e fortalecimento muscular, infiltrações intra articulares, bloqueios anestésicos, entre outros. Daí a importância de um profissional qualificado para individualizar cada tratamento conforme o que o paciente apresenta de problema”, esclarece.

Foi esse acolhimento e entendimento completo do histórico da psicóloga Ana Carolina Paiva, 34 anos, que a livrou de dores fortes na cabeça, face e pescoço, além de um zumbido insuportável no ouvido, causados pela DTM. Ela conviveu com o problema por três anos, quadro que se agravou na pandemia, com aumento da ansiedade e do estresse. Ela perdeu um tio no auge da Covid-19, quando ainda não se tinha muita informação sobre a doença e perspectiva de vacinas. Teve muitos sintomas quando pegou o vírus e temeu pela saúde da mãe, de 67 anos. “Já perdi o meu pai e tive medo de perder minha mãe também. Toda vez que eu ficava mais nervosa, as dores aumentavam”, conta.

Na saga para obter diagnóstico e tratamento corretos, que, no fim, vieram pelo dentista, ela passou por otorrinos, neurologistas, fisioterapeutas, massagistas e dezenas de exames. Chegou a ser diagnosticada com labirintite, enxaqueca crônica e teve indicação para musicoterapia para aprender a conviver com o zumbido no ouvido, que apontaram ser permanente. “Eu pegava atestados no trabalho porque acordava com muita dor. Parei de dirigir e tinha crises de pânico porque achava que tinha algo grave, mas ninguém descobria. Cheguei a pensar em me aposentar. Meu estado psicológico estava péssimo, emagreci e quase tive depressão”, relata. Há pouco mais de um mês em tratamento com o Dr. Tanus, e ela quase não tem dores no pescoço e na face. “Depois dos exames, entre outras ações, fizemos agulhamento, termoterapia, tens, uma nova placa e ele me orientou quanto a mudanças comportamentais. Parei com os relaxantes musculares e me livrei do que mais me atormentava, o zumbido no ouvido”, comemora.

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