Viver - Saúde

Ser obeso e saudável por toda a vida é raro

28 de Janeiro de 2022
Considera-se como obesidade o IMC maior ou igual a 30 Kg/m². A classificação da obesidade é feita da seguinte forma: Grau I: IMC entre 30 e 34,9; Grau II: IMC entre 35 e 39,9 e Grau III: (obesidade mórbida): IMC acima de 40. O IMC é obtido dividindo o peso pela altura ao quadrado. Por exemplo: 100 / 1,75 x 1,75 = 140/3,0625 = 32 (IMC indica grau 1)

O médico especialista no tratamento da obesidade Cid Pitombo defende que, sim, a gordofobia e a invisibilidade aos problemas enfrentados pelos obesos devem ser combatidos, mas jamais aceitar o corpo obeso como totalmente saudável, acreditando que continuará assim no longo prazo. Poucos conseguem. Muitas doenças estão relacionadas à obesidade, indo além do colesterol alto. Pitombo é pesquisador do assunto há mais de 20 anos e responsável pelo tratamento dos também atores André Marques e Leandro Hassum

Especialista em tratamentos para obesidade e cirurgias bariátricas, o médico e pesquisador Cid Pitombo vê com preocupação a defesa do conceito de "obesidade saudável". Estudo feito pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido, analisou 3,5 milhões de pessoas por 10 anos e concluiu que mesmo com exames saudáveis num primeiro momento estes obesos seguem tendo riscos de desenvolver problemas cardíacos e vasculares.

Dos pacientes acompanhados, 61 mil desenvolveram doença coronariana com o passar do tempo, apesar de estarem metabolicamente saudáveis no início do estudo. Segundo a pesquisa, os obesos que pareciam saudáveis tinham risco 50% maior de desenvolver doença cardíaca do que as pessoas com peso normal. Além disso, os pacientes que estavam acima do peso tinham um risco 7% maior de ter doenças vasculares cerebrais e o dobro de risco de ter insuficiência cardíaca.

Por isso, a fala do ator Tiago Abravanel durante o BBB22, por exemplo, apesar de importantíssima para exigir o fim da gordofobia, preocupa sob a luz da Medicina e da Ciência sobre os aspectos do efeito da obesidade prolongada no organismo.

“As pessoas estão confundindo o amor ao próprio corpo e a autoaceitação, com saúde. As pessoas querem conviver com a gordura, não ter que fazer dietas, não usar medicamentos e não fazer exercícios físicos, não recorrer a uma cirurgia bariátrica quando for o caso. E isso é um perigo. É uma desistência de ter de fato um organismo mais saudável e mais longevo. A impressão que fica é que eles acham que nunca vão conseguir e então é mais fácil deixar como está. Não, não pode ficar como está, porque lá na frente, quando a idade chegar, muitas outras doenças podem aparecer. A incidência das doenças relacionadas à obesidade é cada vez maior à medida que a pessoa envelhece. Fora a depressão que já costuma surgir desde muito cedo. O obeso sofre o tempo todo. Com suas dificuldades físicas e emocionais e com o preconceito, com a falta de visibilidade. O mundo realmente não está adaptado a ele e vários obstáculos surgem. Têm dificuldade para estudar, trabalhar, namorar, se divertir, se vestir, usar um transporte, fazer sua higiene, ter um filho...Então como desistirem de emagrecer? Conheço a realidade de um obeso, como poucos. Estar obeso, principalmente o obeso mórbido, muita das vezes não é uma opção, é uma doença, já definida inclusive pela Organização Mundial de Saúde”, argumenta o especialista Cid Pitombo.

O médico lembra ainda que o preconceito surge também porque muitos vêem um obeso ou até mesmo um portador de obesidade mórbida como um preguiçoso, desleixado, glutão, mas o especialista esclarece que essas pessoas não são preguiçosas e sim portadoras de uma doença.

“Vivemos hoje uma epidemia de obesidade, com milhões de obesos pelo mundo e muitos deles no nosso país. E os números só aumentam. Ter preconceito pela condição física, seja ela obesidade ou qualquer outra, é um absurdo. Então penso que quem critica a gordofobia precisa também explicar que estar fora do peso, devido à mudança da configuração corporal, muitas vezes leva a diversas dificuldades. O portador de obesidade tem que lidar com o preconceito do olhar, do comentar. Com isso, estão agravando essa doença, pois o impacto psicológico no obeso muita das vezes pode se tornar eterno e a luta contra a doença invencível. A fobia, ou aversão ao portador de obesidade em 2022, já não era nem mais para ser discutida. Já era para ter acabado”, enfatiza o médico Cid Pitombo.

E complementa: “estar obeso, sabida e cientificamente, aumenta estatisticamente o aparecimento de dezenas de doenças, não só articular, muscular, cardiológica, pulmonar, bem como uma diversidade de doenças metabólicas como diabetes, alteração do colesterol, doenças renais e muitos tipos de câncer. E ainda temos as doenças psiquiátricas associadas, como depressão, isolamento social e até suicídio. Não estou afirmando que por ser obeso a pessoa está doente, assim como não falamos que por fumar, também está. O que estamos afirmando é que em ambas as situações se aumenta estatisticamente a chance de doenças quando comparada com a população que está no peso ideal e tem hábitos saudáveis. Quando me deparo com influenciadores e famosos difundindo a bandeira da obesidade, me preocupo. Estar obeso não deve ser nunca estimulado. O obeso precisa de orientação médica adequada”.

Doenças ligadas à obesidade - A diabetes é uma doença com maior relação com obesidade. Diversos são os estudos que demonstram essa relação. O aumento da gordura, principalmente a visceral (dentro da barriga) leva à produção de substâncias que prejudicam a ação da insulina e da glicose. O aumento de peso tem uma relação direta no aumento da pressão arterial, distúrbios no metabolismo do colesterol e triglicerídeos. Tudo isso leva a uma chance maior de infarto e desenvolvimento de doenças cardiovasculares associadas. As causas e a relação direta entre câncer e obesidade não é tão conhecida como a do diabetes e doença cardiovascular. Mas em um encontro de especialistas em câncer em 2007 ficou claramente demonstrada a relação entre alguns tipos de câncer e obesidade, como câncer de pâncreas, pulmão, cólon, esôfago, mama, rim entre outros. E estudos envolvendo quase 60 mil obesos demonstrou a clara relação entre obesidade e depressão. E diversos são os estudos nessa área.

Já com relação à doença pulmonar, quando se acumula muita gordura no abdome isso irá comprimir o diafragma, o músculo que divide o tórax do abdome. Com isso, comprime-se o pulmão e se dificulta a respiração. Além disso, o tórax fica menos flexível. Substâncias inflamatórias também são produzidas e atrapalham a função pulmonar, elevando a incidência de doenças como bronquite e asma. Um exemplo que comprava esse fato, foi a alta mortalidade de portadores de obesidade durante a epidemia do Covid-19.

O obeso é um organismo delicado e que pode desenvolver distúrbios musculoesqueléticos. Difundir atividades físicas em obesos, sem a devida orientação, por exemplo, pode levá--lo a lesões. Sabidamente, estar fora do peso aumenta a incidência de doenças osteoarticulares. Cerca de 1/3 das cirurgias de próteses de joelho no mundo são em obesos e a grande maioria das de quadril também.

Custo da obesidade - Hoje a obesidade já custa mais de 2,4% do PIB brasileiro. Vários são os trabalhos demonstrando que em um futuro não muito distante os sistemas de saúde não terão recursos suficientes para arcar com os custos das doenças associadas à obesidade. Não teremos como pagar a conta dos infartados, amputados, diabéticos e doentes renais. Estudo feito pela Universidade de Washington aponta a obesidade como uma crise de saúde pública em escala global. A análise dos pesquisadores norte-americanos foi feita com base em relatórios de 35 anos de observação, incluindo quase 200 países. Aproximadamente 30% da população mundial está acima do peso, sendo 600 milhões de adultos e 150 milhões de crianças. E mesmo aqueles que não estão exatamente no nível considerado de obesidade devem se preocupar: das 4 milhões de mortes atribuídas ao excesso de gordura em 2015, quase 40% ocorreram entre sujeitos com IMC entre 25 e 30, nível considerado como sobrepeso.

Perfil do especialista - O médico Cid Pitombo é especialista em tratamentos de obesidade e cirurgia bariátrica por videolaparoscopia, tendo se tornado referência nacional em seu segmento de atuação, com 30 anos de experiência, sendo 22 com bariátricas. Ao longo de sua carreira, realizou cerca de 5,5 mil cirurgias. Entre elas, 3,5 mil foram pelo Programa Estadual de Cirurgia Bariátrica do Estado do Rio de Janeiro entre 2010 e 2020, coordenado pelo médico. É proprietário da Clínica Cid Pitombo, onde realiza atendimento multidisciplinar para tratamento de obesidade, com acompanhamento psicológico e nutricional para cerca de 100 pacientes por mês, de todo o Brasil. Tornou-se ainda mais conhecido ao operar os atores André Marques e Leandro Hassum, que contribuíram fortemente para disseminar a importância da cirurgia bariátrica. Tem mestrado e doutorado em temas ligados a obesidade e é editor do livro Obesity Surgery: Principles and Practice. Mais informações podem ser obtidas pelo site da clínica.

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