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Coronavírus: SP tem 2,2 mil pessoas em situação de rua expostas

20 de Março de 2020

O avanço do novo coronavírus em São Paulo expõe, sobretudo, pessoas em situação de vulnerabilidade e menos favorecidas, como trabalhadores autônomos, famílias sem moradia ou em habitações precárias, usuários de transporte público, população prisional e moradores de rua. Quem vive nas ruas da cidade está exposto a contaminação por diferentes motivos. "O clima é de muita desinformação e o pouco que sabem acham que não é tão grave assim", afirma Vinícius Lima, cofundador do projeto SP Invisível.

Cerca de 5 mil pessoas em situação de rua possuem mais de 50 anos e se encaixam no principal grupo de risco da pandemia. “É uma população majoritariamente adulta masculina com diversos fatores de exposição, como doenças crônicas, respiratórias, psiquiátricas e gastrointestinais”, afirma Mário Guimarães, neurologista e médico da ONG Médicos do Mundo, que atua oferecendo atendimento médico a moradores de rua de São Paulo.

De acordo com o Censo da População em Situação de Rua, divulgado pela Prefeitura de São Paulo no ano passado, existem 24.344 pessoas vivendo nas ruas da cidade. Destes, 11.693 são considerados acolhidos e 12.651, em situação de rua. Segundo o levantamento, o município possui 2.211 moradores de rua com mais de 60 anos, faixa etária considerada como grupo de risco do novo coronavírus.

Se considerarmos o grupo com idade entre 50 e 59 anos, o número de pessoas em situação de rua mais vulneráveis ao coronavírus aumenta para 5.089. Até o momento, 240 pessoas estão infectadas na cidade de São Paulo, embora muitos casos estejam fora dos números oficiais, como o primeiro paciente que morreu no município.

Segundo dados da prefeitura, 20.364 pessoas em situação de rua são homens. “A grande maioria deles tem doenças crônicas, respiratórias, gastrointestinais, cardiopatia, diabetes e psiquiátricas”, afirma Guimarães. “É preciso considerar que eles são acometidos pelo tabagismo e pela tuberculose. Isso agrava a condição de vulnerabilidade.”

No trabalho que faz pelas ruas, Lima afirma que chegou a ouvir frases como "ah, eu já passei por várias epidemias e estou vivo" ou "olha aqui minha mão, não tenho onde lavar e tô com saúde." Para o cofundador do projeto, são homens e mulheres violentados estruturalmente. "Inclusive, através da desinformação. É uma forma de violência", afirma. 

O primeiro passo, segundo ativistas das ruas, é a conscientização sobre o que é o novo coronavírus. “A maioria dos moradores de rua acata nossas orientações”, afirma o médico. A recomendação é que a população que vive nas ruas não compartilhe objetos como canecas, pratos, talheres e qualquer objeto pessoal. “Com a explosão do vírus, temos que reforçar essas orientações”, afirma. O médico diz ainda que a ONG Médicos pelo Mundo estuda meios para distribuir os kits que higiene sem que se formem aglomerações nos pontos de distribuição.

No momento em que aumenta o número de pessoas infectadas, a SP Invisível também organiza formas de conscientizar e levar ajuda à população das ruas. “Estamos produzindo alguns conteúdos para conscientização e orientando as doações de álcool gel”, afirmou Vinícius Lima, fundador do Projeto SP Invisível.

“Se uma pessoa tem um estabelecimento, a ideia é abrir para que essas pessoas possam entrar para lavar as mãos”, afirma. Lima aconselha ainda que para quem tiver garrafa de água, sabão e álcool pode fazer doação para essa parcela da população. “No limite, quem tem espaços como galpões e estacionamentos também pode oferecer o espaço para acolhida.”

Segundo Lima, existem uma série de privilégios básicos que deixam de ser oferecidos à população em situação de rua. “Como eles vão lavar as mãos sem banheiro público, como vão manter distância se vivem em habitações precárias?”, questiona. “A maioria dessa população tem problemas respiratórios, o que representa mais um fator de risco à doença.”

Ele explica ainda que o compartilhamento de objetos é um hábito comum entre moradores de rua. Outra iniciativa viável, segundo ele, é a distribuição de piteiras de silicone para usuários de drogas. “Não é hora para julgamentos morais, o momento é de oferecer cuidados básicos.”

Guimarães, da ONG Médicos pelo Mundo, organiza uma ação para distribuir produtos de higiene para essa população. “É a principal forma de prevenção”, diz. “Estamos fazendo campanha de arrecadação para esses kits.” O acesso ao álcool gel, principal produto procurado pela população no combate a covid-19, também precisa ser pensado para quem vive nas ruas. “Estamos criando uma estratégia específica de depositar o gel em recipientes utilizados por eles.” Isso porque, segundo o médico, há um risco de que o produto possa ser vendido no mercado paralelo.

O pico das infecções deve ocorrer, explica Guimarães, deve ocorrer no início de abril. Para conter a disseminação, outro apecto fundamental é fazer a higienização de centros de atendimento. "Alguns abrigos tem feito um processo de higienização mais adequado, mas não sabemos a carga viral das pessoas", diz.

"É importante ter cuidado com a roupa de cama. Orientamos esses espaços a ter grandes quantidades de sabão e alcool gel, também recomendamos um espaço para troca de roupa íntima."

Outro lado

A reportagem do R7 entrou em contato a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, da Prefeitura de São Paulo, e foi informada por meio de nota que a equipe do Serviço Especializado de Abordagem Social, composta por 600 profissionais, intensificará as orientações nos cuidados de contágio do vírus. O órgão não repondeu, porém, quais as ações específicas para distribuir kits de higiene entre pessoas em situação de rua e como irá higienizar os abrigos. 

"A equipe realiza busca 24 horas por dia para identificar pessoas ou famílias em situação de rua e oferecer acolhimento na rede socioassistencial. A atuação é por meio de escuta qualificada, visando a aproximação, construção e fortalecimento de vínculos, atendimentos sociais, orientações e encaminhamentos", afirmou o órgão.

A pasta informou que das 22h às 8h, a abordagem é realizada pela Coordenadoria de Pronto Atendimento Social. "Os encaminhamentos podem ser feitos por meio do CRAS (Centro Referência de Assistência Social), CREAS (Centro de Referência Especializada em Assistência Social), por meio de abordagens realizadas por pelo Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS) e procura espontânea."

A Prefeitura de São Paulo informou ainda que possui equipes do programa "Consultório na Rua" e do "Redenção na Rua", da Secretaria Municipal de Saúde, que realizam abordagens às pessoas em situação de rua com orientação e avaliação de saúde. Na identificação de caso suspeito é oferecido máscara, explica o órgão, é realizada pesquisa sobre onde ela dorme e circula para identificar contatos e novos suspeitos. "A pessoa é encaminhada à unidade de saúde para atendimento e diagnostico e, em caso de maior gravidade, o SAMU é acionado."

A Secretaria afirmou ainda que desde o sábado (14), todos os eventos agendados na rede socioassistencial foram cancelados e as visitas suspensas. "Os serviços conveniados à pasta estão intensificando os cuidados com a higiene, como lavar bem as mãos com água e sabão, cobrir a boca e o nariz ao tossir e espirrar, evitar tocar os olhos, e orientações de não compartilharem objetos de uso pessoal."

A pasta dispõe de 134 serviços específicos para população em situação de rua. Destes, 89 são voltados ao acolhimento com 17,2 mil vagas. Entre os serviços estão os Centros de Acolhida 16 e 24h, Centros de Acolhida Especiais, Repúblicas, entre outros. A pasta informou ainda que possui dez núcleos de convivência para pessoas em situação de rua na cidade, com 3.172 vagas.

Os núcleos têm como objetivo contribuir com a reinserção social da população em situação de rua e funcionam durante o dia, servindo refeições, oficinas e atividades que visam a construção de vínculos interpessoais, familiares e comunitários. Dentro dos Núcleos, os conviventes têm acesso a banheiros e kits de higiene, onde podem tomar banho e receber as orientações.

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